A morte não é criatura, não é
criação, não tem essência própria. Ela não possui corpo nem voz. Ela é
apenas ausência de vida, vazio, silêncio que se instala quando a presença
se retira. É sombra que se estende quando a luz se oculta, que só existe quando
o sol se esconde e a presença se afasta. É o deserto que surge fora do
rio. Não foi criada por Deus como fim, nem faz parte de seu plano
original. Ela é consequência — consequência da separação, da escolha humana, do
pecado que rompeu a comunhão com a Fonte da vida.
Mas mesmo nesse vazio, Deus está.
A morte, por mais intrusa que pareça, não tem domínio sobre a vida que vem
d’Ele. A morte revela o espaço que o homem perdeu, a fragilidade da forma, o
eco do silêncio. E é justamente nesse espaço que Deus derrama Sua vida eterna e
abundante, que preenche o vazio e transforma a ausência em presença. A morte,
então, é bem-vinda, não como inimiga, mas como travessia, como porta que
se abre para a vida plena. É a ausência que permite a presença plena de Deus. A morte, assim, é ao mesmo tempo consequência
e oportunidade: consequência da ruptura humana, oportunidade para que a graça
divina se manifeste. O homem não fica vazio. O vazio não persiste. A ausência
não domina. A Vida divina preenche, restaura e transborda.
Assim como a cruz é o remédio
para o pecado, a morte cumpre sua função dentro da graça de Deus: é o remédio
que redime, espaço para a vida abundante de Deus. Na obra divina ela revela,
mostra o vazio, a ausência, a fragilidade do homem, mas que não tem
domínio sobre a vida divina. Ao contrário, ela permite que a vida se
manifeste. Deus não se alegra na morte, no vazio, na solidão, na separação ou
na ausência que ela traz. Ele preenche, corrige, transforma. Onde a morte deixa
espaço, Deus insere Sua vida abundante, eterna, inextinguível. A morte é
travessia, é sombra que, ao encontrar a luz, revela a glória da vida eterna. É
silêncio que se enche de canto, ferida que se converte em caminho, noite que
anuncia o amanhecer.
Cada homem está ordenado a morrer
— esse é o desígnio temporal —, e a morte deve ser reconhecida com consciência.
Mas reconhecer não é temer. Não é aceitar que a ausência seja definitiva. Ao
contrário: é saber que, no momento em que ela se manifesta, Deus entra e
preenche o vazio com Sua vida, assim como o Filho de Deus, ao ressuscitar, “dissipou
a morte” como poder de separação.
Atravessá-la não é perder, mas
descobrir que nada pode separar a essência humana da vida eterna. É a travessia
que revela o infinito, a ausência que se converte em plenitude, o silêncio que
se enche do sopro divino.
E então, diante da morte, podemos
chorar e alegrar-nos: chorar pela forma que se desfaz, que se vai,
alegrar-nos pela vida que permanece, que se revela, pelo sopro que preenche,
pela luz que jamais se extingue, pela vida que jamais se ausenta. O corpo se desfaz, a forma se curva, mas o
espírito que se une a Deus se ergue. Cada instante de ausência é preenchido com
presença; cada sombra, com luz; cada vazio, com o sopro divino.
O homem não fica só. O vazio não
persiste. A ausência não é soberana. Onde a morte tenta se instalar, Deus
preenche. Onde a forma se vai, a essência permanece. A Vida divina não conhece
interrupção, não admite derrota, não aceita que o homem permaneça esvaziado.
A morte é ausência, sim. Mas na
presença de Deus, não é fim. É travessia, é caminho, é espaço que a graça
transforma em plenitude. Ela não domina, não encerra, não apaga. Ela apenas
revela o que já existia em potencial: a vida de Deus, que é infinita, completa
e eterna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário