Imagine uma “máquina perfeita”, composta por seiscentos e quarenta músculos. Três bilhões de fibras nervosas. Trinta trilhões de células vermelhas. Um esqueleto leve como alumínio, resistente como aço e quatro vezes mais forte que o concreto. Um espetacular produto de engenharia, por dentro e por fora.
No interior dessa joia da engenharia, bem ao centro, a sala de máquinas bombeia sangue através de 96 mil quilômetros de veias. Em 23 segundos percorre o corpo inteiro. E repete a operação 40 milhões de vezes ao ano. E o mais espantoso: há pouco mais de 7 bilhões de exemplares espalhados pelo planeta Terra. Únicos: nenhum igual ao outro. A “máquina perfeita” dispara pelas ruas das pequenas e grandes cidades. E quem poderia detê-la? Ela é impressionante!
Claro, essa “máquina perfeita” é o ser humano. Criado para ser diferente.
O texto bíblico é claro ao descrever a natureza original do ser humano. E o faz de modo impressionante: “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra” (Gênesis 1:26-28).
No livro Salvation Unlimited: Perspectives in Rightousness by Faith (1974, p. 14-16), Edward Heppenstall destaca quatro aspectos desse texto bíblico. Em primeiro lugar, o autor argumenta que o ser humano foi criado para ser dependente de Deus. Isso significa que não lhe foram concedidas qualidades para que atue independentemente de Deus. Assim, no momento em que o ser humano se considera independente de Deus, destrói sua identidade; deixa de ser a criatura que Deus criou, o que impossibilita compreender a Deus e compreender a si mesmo.
Em segundo lugar, Heppenstall menciona que há um valor intrínseco no ser humano. Por partilhar da semelhança divina, possuímos valor intrínseco para Deus e os pares. Uma demonstração desse valor, no caso de Adão e Eva, foi o fato de receberem a incumbência de reinar sobre a terra, como uma espécie de vice-gerentes de Deus.
Desse modo, o Senhor deixou claro que criou o ser humano com o mais elevado futuro e as mais nobres consecuções, tendo em vista uma eternidade de realizações criativas.
Além disso, conforme acrescenta o autor, fica evidente que foi Deus quem deu vida ao ser humano. Podemos pensar, então, que a vida humana só é possível devido à Fonte de vida. Separado de Deus, o ser humano morre, pois não tem vida em si próprio. Assim, não existe a ideia de “alma imortal”.
Finalmente, em quarto lugar, Heppenstall comenta que Gênesis 1:26-28 fala de um todo significativo. Em nenhum momento é dito que há uma parte humana mais significativa, algo como: a parte espiritual é mais importante que a mental, ou que o emocional está acima do físico.
Fica claro que a imagem de Deus não está localizada em algum aspecto ou característica particular do ser humano. O ser humano, como um todo, reflete o caráter de Deus. Isso é importante para o processo da salvação, pois o que precisa ser resgatado é o todo do ser humano, e não apenas as questões de ordem espiritual.
Criado à Imagem de Deus
Olhando de modo mais detido, observamos que Gênesis 1:26 afirma que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus. O que isso quer dizer? Teólogos têm gasto muito tempo e esforço para explicar essa afirmação. Aqui vamos resumir as principais ideias com base no livro Teologia Sistemática, Atual e Exaustiva (2009, p. 681-686).
A imagem de Deus inclui aspectos espirituais. Com isso queremos dizer que nossa característica espiritual permite que nos relacionemos com Deus mediante oração, louvor e estudo da Escritura. Além disso, vivemos neste mundo pautados pela “agenda celestial” de Deus.
Os aspectos morais são essenciais na imagem de Deus no ser humano. Fomos criados como seres moralmente responsáveis por nossas ações, diante do Criador e do próximo. Além disso, diferentemente dos animais, assumimos posturas e comportamentos porque sabemos escolher conscientemente, e não meramente porque temos medo da punição ou porque esperamos recompensa. Dessa forma, nosso estilo de vida é motivado pela busca de santidade, que é nossa resposta livre ao amor de Deus.
Além disso, somos à imagem de Deus devido aos aspectos mentais. Em outras palavras, fomos criados com a capacidade de pensar, de raciocinar logicamente; também usamos linguagem abstrata e complexa. Por outro lado, porque somos capazes de raciocínio complexo, temos consciência do futuro. A razão também nos permite a capacidade inventiva, criativa, aplicada a áreas como arte, música, literatura, ciência e tecnologia.
Os aspectos emocionais também atestam nossa semelhança com Deus. Pelo fato de sermos à imagem de Deus, possuímos emoção, sentimento, numa complexidade tal que nos alegramos, choramos, chateamos; igualmente nos indignamos, sensibilizamos e ficamos irados.
A imagem de Deus ainda inclui elementos sociais. Somos capazes de relacionamentos conosco mesmos (solilóquio), caracterizando-nos como seres intrapessoais; mas também nos relacionamos com os outros, de modo íntimo, seja com uma pessoa do sexo oposto (casamento entre um homem e uma mulher) ou em relacionamentos fraternos, com amigos e amigas.
Essa capacidade relacional também nos permite estabelecer vínculos com a criação de modo geral, passando a administrar o que Deus criou.
Finalmente, aspectos físicos fazem parte da imagem de Deus. Embora não devamos pensar que, necessariamente, Deus tem um corpo como o nosso, é também verdade que, assim como Ele, temos a capacidade de ver, ouvir e falar.
Espiritual
Demonstravam o desejo natural de amar, adorar e louvar ao Senhor.
Moral
Eram responsáveis por todas as suas ações.
Mental
Eram altamente inteligentes, aptos a aprender tudo o que quisessem.
Emocional
Possuíam emoções e sentimentos altamente complexos.
Social
Estavam preparados para se relacionar um com o outro, com Deus e com a natureza.
Físico
Eram belos, não apresentavam nenhum defeito e nem imaginavam o que era baixa autoestima.
Criado perfeito
Adão e Eva, os primeiros seres humanos, foram criados em total inocência. Gênesis 2:25 afirma que “o homem e sua mulher viviam nus, e não sentiam vergonha”. Obviamente, podemos deduzir que eles não possuíam nenhum tipo de malícia e que o lugar onde estavam era também perfeito. Além disso, eles não conheciam o que era praticar um ato errado. “Em suma, além de não conhecerem nenhum tipo de culpa por qualquer tipo de pecado, eles também eram inocentes com relação ao pecado”, sintetiza Norman Geisler (Teologia Sistemática, 2010, v. 2, p. 11).
A perfeição dos seres humanos, conforme Deus os criara, envolve pelo menos quatro dimensões (p. 12-14). Inicialmente, a perfeição implica um estado de virtude e retidão. A inocência e ausência de malícia de Adão e Eva eram resultado de haverem sido criados moralmente virtuosos e perfeitos. O sábio Salomão escreveu: “Deus fez o homem reto […]”(Eclesiastes 7:29, NVI). A palavra aqui traduzida como “reto” deriva do hebraico yashar, que significa “honestidade”, “integridade”, “retidão”.
Ou seja, ser uma pessoa reta não significava meramente a ausência de maldade e malícia, mas a presença de bondade. Mais do que dizer que não tinham vício nenhum, seria correto enfatizar que Adão e Eva tinham as melhores virtudes.
Perfeição também tem que ver com um estado de domínio. Deus disse ao casal: “Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra” (Gênesis 1:28, NVI). Aqui se percebe que o ser humano não estava a serviço da natureza, mas a administrava, governava sobre ela.
Em terceiro lugar, perfeição significa um estado de responsabilidade moral. Embora perfeitos, Adão e Eva não eram donos de si; como criaturas, precisavam prestar contas ao Criador. É por isso que Deus disse ao homem: “Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá” (Gênesis 2:16-17, NVI). O ser humano deveria desfrutar de sua liberdade com responsabilidade.
Finalmente, a quarta dimensão se refere a um ambiente perfeito. Adão e Eva não estavam num lugar qualquer; estavam no paraíso, lugar seguro e que promovia a felicidade deles. Estavam rodeados de perfeição; afinal, é dito que “Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom” (Gênesis 1:31, NVI). O ambiente era perfeito: nada se estragava, as flores não murchavam, as folhas não caíam, os animais eram inofensivos, os frutos estavam sempre bons. Não havia corrupção e morte. Tudo era perfeito, interna e externamente.
Por que tudo isso?
Deus é amor (1João 4:8). Então podemos deduzir que Seu amor impulsionou Seu ato criador. Logo, a criação não existe por acaso. Como expressa o livro Nisto Cremos: As 28 Crenças Fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia (2008, p. 92, 93), podemos pensar em pelo menos dois propósitos das obras criadas. Deus não é um Ser solitário, e por isso Seu ato criador tinha a intenção de povoar a terra. Isso fica claro em Gênesis 1:28: “Deus os abençoou [a Adão e Eva] e lhes disse: Sejam férteis e multipliquem-se!” Com esse propósito em mente, Ele constituiu o matrimônio (Gênesis 2:22-25, NVI). Ao cumprirem a ordem divina da procriação, Adão e Eva – e os seres humanos de hoje – receberam o privilégio de participar da obra criadora.
Por outro lado, no Salmo 19:1 está escrito que “os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra de suas mãos” (NVI). Assim, a criação desempenha o papel de testemunha de Deus, revelando Sua glória, Seu poder. E por que isso ocorre? De acordo com Romanos 1:20, Deus tem a intenção que Suas obras criadas conduzam as pessoas a Ele. Dessa forma, conhecemos melhor Seu poder, Sua criatividade, Seu cuidado e Sua bondade. Conhecendo essas qualidades, temos a oportunidade de incorporá-las em nossa própria vida.
Somos obras das mãos poderosas e cuidadosas de um Deus pessoal; esse Ser quer continuar mantendo proximidade conosco, objetivando o dia em que a comunhão original do Éden será restaurada. Então, novamente perfeitos, poderemos tributar a Ele a honra e glória merecidas. E faremos isso por toda a eternidade.
ADOLFO SUÁREZ, pós-doutor em Teologia, é reitor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT)
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