1.
A doutrina sempre deve estar conectada com a vida
Este
é o texto clássico da cristologia na Bíblia. William Barclay diz que esta é a
passagem mais importante e mais emocionante que Paulo escreveu sobre Jesus.
Aqui Paulo alcança as alturas mais excelsas da sua reflexão teológica acerca do
Filho de Deus. Porém, o contexto revela-nos que Paulo está tratando de um
problema prático na vida da igreja, exortando os crentes à unidade. Ou seja,
Paulo está expondo seu pensamento teológico mais profundo para resolver um
problema de desunião dentro da igreja. A teologia deve sempre estar conectada
com a vida. A teologia determina a ética. A doutrina é a base para a solução
dos problemas que atacam a igreja. A igreja precisa pensar teologicamente.
Nessa mesma linha de pensamento William Barclay comenta:
Em
Paulo sempre se unem teologia e ação. Para ele, todo sistema de pensamento deve
necessariamente converter-se em um caminho de vida. Em muitos aspectos esta
passagem é uma daquelas que tem o maior alcance teológico do Novo Testamento,
mas toda a sua intenção está em persuadir e impulsionar os filipenses a viverem
uma vida livre de desunião, desarmonia e ambição pessoal.
2.
A vida de Cristo é o exemplo máximo para a igreja
Paulo
corrige os problemas internos da igreja de Filipos não apenas lhes oferecendo
conceitos doutrinários, mas mostrando-lhes o exemplo de Cristo. O melhor
remédio para curar os males da igreja é olhar para Jesus, seguir os seus passos
e imitar seu exemplo (2.5). A igreja de Filipos estava sendo atacada por
inimigos externos e por intrigas internas. Para corrigir ambos os males, ela
deveria olhar para Jesus.
William
Hendriksen corretamente afirma que há uma área em que Cristo não pode ser nosso
exemplo. Não podemos imitir seus atos redentivos e nem sofrer e morrer
vicariamente. Mas, com o auxílio de Deus, podemos e devemos imitar o espírito
que serviu de base para esses atos.
A
atitude de auto-renúncia, com vistas a auxiliar outros, deveria estar presente
e se expandir na vida de cada discípulo (Mt 11.29; Jo 13.12-17; 13.34; 21.19;
1Co 11.1; 1Ts 1.6; 1Pe 2.21-23; 1Jo 2.6). O mesmo autor ainda afirma que se
Jesus não é nosso exemplo, então nossa fé é estéril e nossa ortodoxia, morta.
I.
A HUMILHAÇÃO DE CRISTO (2.6-8)
1.
Ele voluntariamente abriu mão de seus direitos (2.6)
Jesus
antes da sua encarnação sempre foi Deus co-igual, co-eterno e consubstancial
com o Pai e com o Espírito Santo. Ele sempre foi revestido de glória e
majestade (Jo 17.5). Ele é o criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis
(Cl 1.16). Ele sempre foi adorado pelos anjos nas coortes celestiais.
A
expressão “subsistindo em forma de Deus” (2.6) é muito importante para
entendermos a divindade de Cristo. William Barclay diz que a palavra
“subsistindo” hyparquein descreve aquilo que é essencial e que não pode ser
mudado; aquilo que possui uma forma inalienável. Descreve características
inatas, imutáveis e inalteráveis. Assim, pois, Paulo começa dizendo que Jesus é
Deus em forma essencial, inalterável e imutável.
Logo Paulo continua dizendo que Jesus “subsistia em forma de Deus”. Há duas palavras gregas para forma: morphe e schema. Ambas podem ser traduzidas por “forma”. Mas, elas não têm o mesmo significado. Morphe é forma essencial de algo que jamais se altera; schema é a forma externa que muda de tempo em tempo e de circunstância em circunstância. A palavra que Paulo usa com referência a Jesus é morphe. Jesus está de maneira inalterável na forma de Deus; sua essência e seu ser imutável são divinos. Werner de Boor faz referência à bela formulação de Lutero: “O Filho do Pai, Deus por natureza…”. Nesta mesma linha de pensamento Ralph Martin diz que morphe é “natureza essencial” em oposição à “forma exterior” schema. O erudito Lightfoot diz que morphe implica não em características externas, mas em atributos essenciais.
Há
uma profunda conexão entre morphe e schema. A primeira se refere àquilo que é
anterior, essencial e permanente na natureza de uma pessoa ou coisa; enquanto a
segunda aponta para seu aspecto externo, acidental ou aparente. O que Paulo
está dizendo, pois, em Filipenses 2.6 é que Cristo Jesus sempre foi (e
continuará sempre sendo) Deus por natureza, a expressa imagem da Divindade.
O
caráter específico da Divindade, segundo se manifesta em todos os atributos
divinos, foi e é sua eternidade, diz William Hendriksen. Jesus sempre foi Deus
(Jo 1.1; Cl 1.15; Hb 1.3). Ele sempre possuiu toda a glória e louvor no céu.
Com o Pai e o Espírito Santo, ele sempre reinou sobre o universo.
Há
uma outra verdade gloriosa exposta no versículo 6. O apóstolo Paulo diz que
Jesus “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”, ou seja, não considerou a
sua igualdade com Deus como “algo que deveria reter egoisticamente”. A palavra
grega aqui traduzida por “usurpação” é harpagmos. Essa palavra só aparece aqui
em toda a Bíblia. Ela provém de um verbo que significa arrebatar ou aferrar-se.
Jesus não se agarrou aos privilégios de sua igualdade com Deus, antes abriu mão
dela por amor aos homens. Ralph Martin afirma que para o Cristo pré-encarnado,
ao invés de imaginar que igualdade com Deus significa obter, ao contrário, ele
deu – deu até tornar-se vazio.
F.
F. Bruce interpreta corretamente essa questão, quando escreve:
Não
existe a questão de Cristo tentar arrebatar, ou apoderar-se da igualdade com
Deus: ele é igual a Deus, porque o fato de ele ser igual a Deus não é
usurpação; Cristo é Deus em sua natureza. Tampouco existe a questão de Cristo
tentar reter essa igualdade pela força. A questão fundamental é, antes, que
Cristo não usou sua igualdade com Deus como desculpa para auto-afirmação, ou
autopromoção; ao contrário, ele a usou como ocasião para renunciar a todas as
vantagens ou privilégios que a divindade lhe proporcionava, como oportunidade
para auto-empobrecimento e auto-sacrifício sem reservas.
Jesus
não pensou em si mesmo; ele pensou nos outros. Ele abriu mão de sua glória,
desceu das alturas e, usou seus privilégios para abençoar os outros.
Certa
feita um repórter entrevistou um próspero orientador profissional.
–
Qual é o segredo do seu sucesso? Perguntou o repórter.
–
Se quiser descobrir o que vale realmente um trabalhador, não lhe dê
responsabilidades; dê-lhe privilégios, respondeu o orientador. Muitas pessoas
são capazes de cumprir responsabilidades, mas só um líder sabe lidar com
privilégios, usando-os para ajudar os outros. Um homem inferior servir-se-á dos
privilégios para autopromoção.
Jesus
usou os seus privilégios celestes para o bem dos outros. A Bíblia diz que ele
andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo
(At 10.38).
Vale
a pena contrastar a atitude de Cristo com a de Lúcifer (Is 14.12-15) e com a de
Adão (Gn 3.1-7). Lúcifer foi o mais elevado dos seres angélicos, assistindo
junto ao trono de Deus (Ez 28.11-19), mas desejou ser igual a Deus e sentar-se
sobre o seu trono. Lúcifer declarou: “Eu farei”, mas Jesus disse: “Faça-se a
tua vontade”. Lúcifer não se contentou em ser uma criatura, queria ser o
criador; Jesus era o criador e, voluntariamente, fez-se homem. A humildade de
Jesus constitui uma reprovação ao orgulho de Satanás. Lúcifer não se contentou
apenas em ser rebelde, mas invadiu o Éden e tentou o homem à rebeldia. Adão tinha
tudo, era o rei da criação, mas Satanás lhe disse: “Sereis como Deus”. O homem
então, tentou agarrar algo que estava para além do seu alcance e assim
precipitou toda a raça humana no pecado e na morte. Adão pensou unicamente em
si; Jesus Cristo pensou nos outros. F. F. Bruce coloca essa questão assim:
“Adão, criado homem, à imagem de Deus, tentou arrebatar para si uma falsa e
ilusória igualdade com Deus. Cristo alcançou senhorio universal mediante sua
renúncia, enquanto Adão perdeu seu senhorio mediante o roubo do fruto
proibido”.
Robertson
corretamente afirma que Paulo não está aqui nos oferecendo apenas uma técnica
discussão teológica acerca da pessoa de Cristo; em vez disso, ele está fazendo
um uso prático da encarnação de Cristo para enfatizar a grande lição da
humildade como fator essencial para a unidade. Cristo se humilhou e nós também
devemos fazê-lo.
2.
Ele se esvaziou (2.6,7)
O
Filho de Deus deixou o céu, a glória, seu trono, e fez-se carne, fez-se homem,
se encarnou. Aquele que em seu estado pré-encarnado é igual a Deus é a mesma
Pessoa que se esvaziou.
O
verbo grego kenou “se esvaziou”, literalmente significa “tirar algo de um
recipiente até que fique vazio” ou “derramar algo até que não fique nada”.
Paulo usa aqui a palavra mais gráfica possível para que se faça patente o
sacrifício da encarnação.
Do
que Cristo se esvaziou? Certamente não foi da existência “na forma de Deus”.
Isso seria impossível. Ele continuou sendo o Filho de Deus. Indubitavelmente,
Cristo renunciou seu ambiente de glória.
Ele
pôs de lado sua majestade e glória (Jo 17.5), mas permaneceu Deus. Ele jamais
deixou de ser o possuidor da natureza divina. Mesmo em seu estado de humilhação
ele jamais se despojou de sua divindade.
F.
F. Bruce diz que em vez de explorar sua igualdade com Deus, e dela auferir
vantagens, Jesus se despojou a si próprio, não de sua natureza divina, visto
que isso seria impossível, mas das glórias e das prerrogativas da divindade.
Isto não significa que ele trocou sua natureza (ou forma) divina pela natureza
(ou forma) de um escravo: significa que ele demonstrou a natureza (ou forma) de
Deus na natureza (ou forma) de um escravo. No cenáculo, Jesus pegou uma bacia,
cingiu-se com uma toalha e lavou os pés dos discípulos e depois, disse-lhes:
“Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou. Ora, se eu,
sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns
dos outros”.
William
Hendriksen, abrindo uma janela para o nosso entendimento dessa gloriosa
verdade, diz que a inferência é que Cristo se esvaziou de sua
existência-na-forma-de-igualdade-a-Deus e ilustra com alguns pontos.
Em
primeiro lugar, ele renunciou sua relação favorável à lei divina. Enquanto
permanecia no céu nenhuma carga de culpa pesava sobre ele. Entretanto, ao
encarnar-se, ele que não conheceu pecado, se fez pecado por nós (Jo 1.29; 2Co
5.1); ele que era bendito eternamente se fez maldição por nós (Gl 3.13) e levou
sobre seu corpo, no madeiro, todos os nossos pecados (1Pe 2.24).
Em
segundo lugar, ele renunciou suas riquezas. O apóstolo Paulo diz: “Pois
conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo rico, se fez pobre
por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).
Jesus renunciou tudo, até mesmo sua própria vida (Jo 10.11).
Tão
pobre ele era que tomou emprestado um lugar para nascer, uma casa para
pernoitar, um barco para pregar, um animal para cavalgar, uma sala para reunir
e um túmulo para ser sepultado.
Em
terceiro lugar, ele renunciou sua glória celestial. Ele tinha glória com o Pai
antes que houvesse mundo (Jo 17.5). Mas, voluntariamente deixou a companhia dos
anjos e veio para ser perseguido e cuspido pelos homens. Do infinito sideral de
eterno deleite, na própria presença do Pai, voluntariamente ele desceu a este
reino de miséria a fim de armar sua tenda com os pecadores.
Ele,
em cuja presença os serafins cobriam o rosto, o objeto da mais solene adoração,
voluntariamente desceu a este mundo, onde foi “desprezado e o mais rejeitado
entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is 53.3).
Em
quarto lugar, ele renunciou o livre exercício de sua autoridade. Ele
voluntariamente se submeteu ao Pai e diz: “Eu não procuro a minha própria
vontade, e, sim, a daquele que me enviou” (Jo 5.30).
Bruce
Barton comentando este texto diz que Jesus não era parte homem e parte Deus;
ele era completamente humano e completamente divino. Antes de Jesus vir ao
mundo, as pessoas só podiam conhecer a Deus parcialmente. Depois, puderam
conhecê-lo plenamente, porque ele se tornou visível e tangível. Cristo é a
perfeita expressão de Deus em forma humana. Ele é a exegese de Deus. Nele
habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Como homem, porém, Jesus
estava limitado a lugar, tempo, e outras limitações humanas. Contudo, ele não
deixou de ser plenamente Deus ao tornar-se humano, embora tenha abdicado de sua
glória e seus direitos.
É
estonteante refletir que Paulo tenha escrito sobre esse sublime mistério da
humilhação de Cristo para ensinar a igreja de Filipos acerca da humildade nos
relacionamentos. Werner de Boor corrobora, dizendo:
Será que haveria pessoas em Filipos que deveriam doar, ceder, tornarem-se humildes, mas que declarariam: “Não se pode exigir isso de mim. Isso é demais para minha boa vontade!” Será que qualquer um deles, Paulo ou os filipenses, ainda pode reivindicar quaisquer direitos no serviço a esse Jesus?
“Esvaziar-se”,
renunciar, tornar-se pequeno – será que ainda seria difícil agir assim depois
de ouvir acerca desse Jesus e da forma com que ele abriu mão do que tinha:
passando da forma divina para figura de escravo? Será que esse incrível salto
para as profundezas poderia ser comparável ao salto de um pecador perdido e
condenado para se tornar escravo desse Jesus? Se em algum momento houver
problemas com a concórdia e comunhão dos irmãos porque alguma coisa ainda está
sendo retida, então Jesus ainda não foi corretamente apreendido. É justamente
por isso, não para escrever capítulos de uma obra doutrinária, que Paulo mostra
Jesus aos filipenses.
3.
Ele serviu (2.7)
O
eterno Filho de Deus não nasceu num palácio. O Rei dos reis não nasceu num
berço de ouro nem entrou no mundo por intermédio de uma família rica e
opulenta; ao contrário, nasceu num berço pobre, numa família pobre, numa cidade
pobre. Jesus nasceu numa manjedoura, cresceu numa carpintaria e morreu numa
cruz. Ele não veio ao mundo para ser servido, mas para servir (Mc 10.45).
Jesus
não pensou nos outros apenas de forma abstrata; ele assumiu a forma de servo,
ele serviu. A palavra “forma” aqui é novamente morphe, uma forma absoluta.
Jesus não fingiu ser um servo. Ele não foi um ator no desempenho de um papel.
Ele de fato foi servo! A única pessoa no mundo que tinha razão de fazer valer
seus direitos, os renunciou. E foi Cristo Jesus mesmo que disse: “Pois, no meio
de vós, eu sou como quem serve” (Lc 22.27). Jamais algum servo serviu com mais
imutável lealdade, abnegada devoção e irrepreensível obediência do que Jesus. O
Senhor de todos tornou-se servo de todos (Mt 20.27; Mc 10.45). Jesus assumiu a
forma de servo como ele era antes em toda a eternidade em forma de Deus.
Jesus
serviu aos pecadores, às meretrizes, aos cobradores de impostos, aos doentes,
aos famintos, aos tristes e enlutados. Quando seus discípulos, no cenáculo,
ainda alimentavam pensamentos soberbos, ele pegou uma toalha e uma bacia e
levou os seus pés (Jo 13.1-13).
4.
Ele se tornou em semelhança de homens (2.7)
O
que Paulo quer dizer quando afirmou que Cristo Jesus se tornou em semelhança de
homens e foi reconhecido em figura humana? Aquele que era em forma de Deus e
era igual a Deus desde toda a eternidade tomou a forma de um homem num
particular momento da história.
Robertson
corretamente afirma que a humanidade, embora completamente real e não meramente
aparente como firmavam os docéticos gnósticos, não podia expressar tudo o que
Cristo verdadeiramente era. Ele continuou subsistindo em forma de Deus em sua
natureza essencial a despeito de sua encarnação. Ele conservou a natureza
essencial de Deus mesmo depois de se tornar em semelhança de homens.
William
Hendriksen diz que embora os homens estivessem certos em reconhecer a
humanidade de Cristo estavam errados em dois aspectos: Rejeitaram sua
humanidade impecável e sua divindade.
E
ainda que toda sua vida, particularmente, suas palavras e atos poderosos
manifestassem “a divindade velada na carne”, todavia, de um modo geral,
rejeitaram suas reivindicações e o odiaram ainda mais por causa delas (Jo 1.11;
5.18; 12.37). Cumularam-no de escárnio, de forma que “era desprezado e o mais
rejeitado entre os homens…” (Is 53.3).
Neste
versículo 7, o apóstolo Paulo usa três palavras gregas que nos ajudam a
entender o que significa para o eterno Filho de Deus se tornar m semelhança de
homens. A primeira palavra é morphe, a mesma palavra usada no verso 6 para
expressar “forma de Deus”. Essa palavra foi usada para falar de Jesus em forma
de Deus, e, agora, é usada para falar dele em forma de servo. A palavra morphe
segundo James Montgomery Boyce tem diferentes significados na língua grega; ela
se refere tanto ao caráter interno de uma pessoa ou coisa como a forma externa
que expressa esse caráter interno. Desta maneira, quando Paulo diz que Cristo
tomou a forma de servo ele quer dizer que Cristo se tornou homem tanto
internamente como externamente. Já temos visto que Cristo possuía internamente
a natureza de Deus e a apresentou externamente. Nesse mesmo sentido, Jesus
também possuía a natureza de homem tanto interna quanto externamente. Exceto no
pecado, qualquer coisa que pode ser dito acerca do homem, pode ser dito também
sobre o Senhor Jesus Cristo. Jesus, assim, tornou-se semelhante ao primeiro
Adão, que foi sem pecado, mas como segundo Adão, fez-se pecado por nós, para
vencer o pecado e nos remir dele.
A
segunda palavra é homoioma, traduzida por Paulo como “semelhança”. Se a palavra
morphe refere-se à natureza do homem; a palavra homoioma fala dessa externa
aparência. Jesus não tem apenas sentimentos e intelecto humanos, ele tem também
a aparência humana.
Ele
nasceu como um bebê judeu e cresceu como os outros meninos da sua raça. Do
ponto de vista físico, ele foi perfeitamente homem.
A
terceira palavra é schema, traduzida por Paulo por “figura”. O pensamento aqui
é de conformidade com a experiência humana. Paulo diz que Cristo não era apenas
um homem internamente em seus sentimentos e emoções; não apenas um homem
externamente em seu aspecto físico, mas também ele era um homem no sentido de
que suportou tudo o que nós suportamos neste mundo:
Tentação
(Hb 4.15), sofrimento (1Pe 2.21) e desapontamento (Mt 23.37). Tudo o que diz
respeito à experiência humana, Jesus também vivenciou.
5.
Ele se sacrificou (2.8)
Muitas
pessoas estão prontas a servir outros, se isso não lhes custar nada. Mas se há
um preço a pagar, então perdem o interesse. Jesus Cristo serviu
sacrificialmente e foi obediente até à morte e morte de cruz. Cristo se
esvaziou e se humilhou quando ele se fez homem. Depois desceu mais um degrau
nessa escalada da humilhação, quando se fez servo; mas, desceu às profundezas
da humilhação quando suportou a morte e morte de cruz. Por seu sacrifício, ele
transformou esse horrendo patíbulo de morte no símbolo mais glorioso do
cristianismo (Gl 6.14).
James
Boyce diz que a cruz de Cristo é a grande ênfase de toda a Bíblia, tanto do
Velho como do Novo Testamento (Lc 24.25-27). Dois quintos do Evangelho de
Mateus são dedicados à última semana de Jesus em Jerusalém. Mais de três
quintos do Evangelho de Marcos, um terço do Evangelho de Lucas e quase a metade
do Evangelho de João dão a mesma ênfase. O apóstolo João fala da crucificação
de Cristo como a “a hora” vital para a qual Cristo veio ao mundo e seu
ministério foi exercido (Jo 2.4; 7.30; 8.20; 12.23; 12.27; 13.1; 17.1). O mesmo
autor diz que Cristo morreu para remover o pecado (1Pe 2.24; 2Co 5.21),
satisfazer a justiça divina (Rm 3.24-26) e revelar o amor de Deus (Jo 3.16; 1Jo
4.10).
A
morte de cruz tinha três características:
Em
primeiro lugar, ela era dolorosíssima. Era a pena de morte aplicada apenas aos
escravos e delinquentes. Havia um adágio que dizia que uma pessoa crucificada
morria mil mortes. Muitas vezes, o crucificado passava vários dias pregado na
cruz e morria lentamente com câimbras, asfixia e dores atrozes.
Em
segundo lugar, ela era ultrajante. A pessoa condenada era açoitada, ultrajada e
cuspida e, depois, tinha que carregar a cruz debaixo do escárnio da multidão
até o lugar da sua execução.
Em
terceiro lugar, ela era maldita. Uma pessoa que era dependurada na cruz era
considerada maldita (Dt 21.23; Gl 3.13). Assim, enquanto Jesus estava pendente
na cruz, embaixo Satanás e suas hostes o assaltavam; em volta os homens o
escarneciam; de cima, Deus o cobria com um manto de trevas, símbolo de maldição
e de dentro prorrompia o amargo grito:
“Deus
meu, Deus meu, por que me desamparaste?” De fato, Cristo desceu a este inferno,
o inferno do Calvário. Ralph Martin diz que o Senhor da Igreja consentiu em
terminar sua vida num patíbulo romano e do ponto de vista judaico, morrer sob
condenação divina. Assim, Jesus nos conduz como num imenso mergulho, dos mais
elevados píncaros aos mais profundos vales, da luz de Deus para a escuridão da
morte.
Mas,
não devemos olhar a morte de Cristo na cruz apenas sob a perspectiva do
sofrimento físico. A grande questão é: por que ele morreu na cruz? Cristo não
foi para a cruz porque Judas o traiu por ganância, porque os sacerdotes o
entregaram por inveja ou porque Pilatos o condenou por covardia. Ele foi para a
cruz porque o Pai o entregou por amor e porque ele a si mesmo se entregou por
nós. Ele morreu pelos nossos pecados (1Co 15.3). Nós o crucificamos. Nós
estávamos lá no Calvário não como platéia, mas como agentes da sua crucificação.
A
cruz de Cristo é a maior expressão do amor de Deus por nós e a mais intensa
expressão da ira de Deus sobre o pecado. O pecado é horrendo aos olhos de Deus.
A santa justiça de Deus exige a punição do pecado. O salário do pecado é a
morte. Então, Deus num ato incompreensível de eterno amor, puniu o nosso pecado
em seu próprio Filho, para poupar-nos da morte eterna.
Na
cruz Jesus bebeu sozinho o cálice amargo da ira de Deus contra o pecado. Na
cruz Jesus foi desamparado para sermos aceitos. Ele não desceu da cruz para
podermos subir ao céu. Ele se fez maldição na cruz para sermos benditos de
Deus. Ele morreu a nossa morte para vivermos a sua vida.
II.
A EXALTAÇÃO DE CRISTO (2.9-11)
1.
É obra de Deus (2.9)
O
apóstolo Paulo faz uma transição daquilo que Cristo fez para aquilo que Deus
fez para ele e por ele. O mesmo que se humilhou foi exaltado e essa exaltação
lhe foi dada pelo Pai. O caminho da exaltação passa pelo vale da humilhação; a
estrada para a coroação, passa pela cruz. Deus exalta aqueles que se humilham
(Mt 23.13; Lc 14.11; 18.14; Tg 4.10; 1Pe 5.6). Foi por causa do sofrimento da
morte que essa recompensa lhe foi dada (Hb 1.3; 2.9; 12.2), diz William
Hendriksen.
Deus
não deixou Cristo na sepultura, mas levantou-o da morte, levou-o de volta ao
céu e o glorificou (At 2.33; Hb 1.3). Deus deu a Jesus “toda autoridade no céu
e na terra” (Mt 28.18). Deu a ele autoridade para julgar (Jo 5.27) e fê-lo
senhor de vivos e de mortos (Rm 14.9), fazendo-o assentar à sua destra, acima
de todo principado e potestade, constituindo-o a cabeça de toda a igreja (Ef
1.20-22). Fica claro que esta elevação de Jesus não foi a restituição da
natureza divina, porque ele jamais a renunciou, mas foi a restituição da glória
eterna que tinha com o Pai antes que houvesse mundo, da qual voluntariamente
havia se despojado (Jo 17.5,24).
Porque
Jesus se humilhou, ele foi exaltado. Jesus mesmo é a suprema ilustração de sua
própria afirmação: “… todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha
será exaltado” (Lc 18.14b). Os homens o cuspiram, mas Deus o exaltou. Os homens
lhe deram nomes insultuosos, mas o Pai lhe deu o nome que está acima de todo
nome.
2.
É uma exaltação incomparável (2.9)
A
expressão “o exaltou sobremaneira” é a tradução do verbo grego hyperhypsoun que
só aparece aqui em todo o Novo Testamento e só pode ser aplicado a Cristo. O
significado desse verso é “superexaltado”. Deus, o Pai enalteceu o Filho de uma
forma transcendentemente gloriosa. Soergueu-o à mais elevada excelsitude. Se os
salvos vão para o céu, Cristo ultrapassou os céus (Hb 4.14), foi feito mais
alto que os céus (Hb 7.26) e subiu acima de todos os céus (Ef 4.10).
A exaltação incomparável de Cristo constitui-se no fato dele ter recebido um nome que está acima de todo nome (2.9). Ele recebeu este nome por herança (Hb 1.4) e por doação (2.9). O nome de Jesus, agora, é possessão da igreja.
Por
meio desse nome os enfermos são curados (At 3.6), os perdidos são salvos (At
4.12), os crentes são perdoados (1Jo 2.12), os cativos são libertos (Lc 10.17),
as orações são respondidas (Jo 16.23). O apóstolo Paulo diz que devemos fazer
tudo em nome de Jesus (Cl 3.17).
O
grande título pelo qual Jesus chegou a ser conhecido na Igreja primitiva foi
Kyrios. A palavra kyrios tem uma história luminosa. 1) Começou significando amo
ou proprietário. 2) Chegou a ser o título oficial dos imperadores romanos. 3)
Chegou a ser o título dos deuses pagãos. 4) Kyrios era o termo grego que
traduzia a Jeová na versão grega das Escrituras, a Septuaginta.
Desta
maneira, quando Jesus era chamado Kyrios, Senhor, significava que era o Senhor
e o Dono de toda vida, o Rei dos reis e Senhor de imperadores; o Senhor de uma
maneira em que os deuses pagãos e os ídolos mudos jamais podiam sê-lo. Jesus
era nada menos que divino.
A
grande ênfase do Novo Testamento é sobre o senhorio de Cristo. O Filho de Deus
é chamado de Senhor mais de seiscentas vezes no Novo Testamento. Somente os que
confessam que Jesus é Senhor podem ser salvos. A Bíblia diz que quem tem o
Filho tem a vida.
Podemos
ilustrar esse ponto como segue:
Havia
um homem muito rico que investira grande fortuna em quadros famosos. Tinha
orgulho de ter uma das mais requintadas coleções dos maiores e mais consagrados
pintores do mundo. Um dia seu filho único foi ferido numa viagem e morreu. Seu
amigo, que o acompanhara em seus últimos suspiros, buscando consolar aquele pai
aflito, enviou-lhe um quadro que ele mesmo pintara do rosto do seu filho. Ao
receber o quadro, colocou-o numa bela moldura e dependurou-o junto aos seus
quadros mais seletos. Ao perceber que sua morte se avizinhava, aquele homem
rico chamou seu mordomo e entregou-lhe as suas últimas recomendações.
Determinou que os quadros fossem leiloados e o dinheiro arrecadado deveria ser
entregue a uma instituição de caridade. Em dia determinado, o leilão aconteceu.
Para surpresa de todos, o mordomo começou leiloando o quadro do filho. Ninguém
demonstrou interesse pelo quadro, pois ele não tinha nenhum atrativo nem valor
artístico. Até que alguém resolveu fazer uma oferta e comprou o quadro. Para
maior surpresa ainda, o mordomo anunciou o término do leilão.
E
quando, todos estavam inconformados e buscando uma explicação, o mordomo leu o
testamento do seu patrão: “Aquele que comprar o quadro do filho, tem todos os
outros, pois quem tem o filho tem tudo”. Podemos, de igual forma, afirmar:
“Quem tem o Filho tem a vida”, quem tem Jesus tem tudo!
3.
É uma exaltação que exige rendição de todos (2.10)
William
Hendriksen diz que em seu regresso em glória, Jesus será adorado por toda
corporação de seres morais, em todos os setores do universo. Os anjos e os
seres humanos redimidos farão isso com intenso regozijo, enquanto os condenados
farão isso com profunda tristeza e profundo remorso (Ap 6.12-17).
Ralph
Martin diz que a aclamação final do universo é, também, o “slogan” confessional
da Igreja de hoje: “Jesus Cristo é Senhor”. Ambos, o universo e a Igreja
unem-se num reconhecimento comum, e num tributo unânime.
Na
segunda vinda de Cristo os três mundos vão se dobrar aos seus pés: os céus, a
terra e o inferno. Todo o joelho vai se curvar diante do poderoso nome de Jesus
no céu (os anjos e os remidos), na terra (os homens) e debaixo da terra
(demônios e condenados). Com que júbilo se ajoelharão diante de Jesus aqueles
que foram salvos por ele. Com que pavor cairão de joelhos aqueles que passaram
orgulhosamente por ele ou o rejeitaram!
J.
A. Motyer corretamente afirma que Jesus foi coroado no dia da sua ascensão.
Embora o dia da sua coroação já tenha ocorrido, infelizmente poucos têm
conhecimento desse fato auspicioso. Aqueles que amam a Jesus sabem disso e se
regozijam nesse fato, mas milhões de pessoas no mundo não sabem que Jesus é o
Rei coroado e somente se prostrarão aos seus pés quando ele se manifestar em
glória. Naquele dia todo joelho vai se dobrar, toda língua vai confessar que
Jesus é Senhor, mas nem todos serão salvos.
4.
É uma exaltação proclamada universalmente (2.11)
Toda
língua vai confessar que Jesus é Senhor. Ele é o Rei dos reis, o Senhor dos
senhores, o Todo-poderoso Deus, diante de quem os poderosos deste mundo vão ter
que se curvar e confessar que ele é Senhor. Aqueles que zombaram dele, vão ter
que confessar que ele é o Senhor. Aqueles que o negaram e nele não quiseram
crer, vão ter que admitir e confessar que ele é Senhor.
Essa
confissão será pública e universal. Todo o universo vai ter que se curvar
diante daquele que se humilhou, mas foi exaltado sobremaneira!
Isso
não significa, obviamente, que todas as pessoas serão salvas. Somente aqueles
que agora reconhecem que Jesus é o Senhor o confessam como tal serão salvos (Rm
10.9). Porém, na segunda vinda de Cristo nenhuma língua ficará silenciosa,
nenhum joelho ficará sem se dobrar. Toda as criaturas e toda a criação
reconhecerão que Jesus é Senhor (2.11; Ap 5.13).
5.
É uma exaltação que tem um propósito estabelecido (2.11)
A
exaltação de Jesus tem dois propósitos claros:
Em
primeiro lugar, que todos, em todos o universo reconheçam o senhorio de Jesus
Cristo. Deus o exaltou, o fez assentar à sua destra e o constitui o Senhor
absoluto do todo o universo. O senhorio de Cristo foi a grande ênfase da
pregação apostólica (At 2.36; Rm 10.9; Ap 17.14; 19.16). Importa que todos, em
todos os lugares, de todos os tempos reconheçam e confessem que Jesus é Senhor.
Em virtude do poder e majestade de Jesus Cristo, e pelo reconhecimento de que
ele é o Senhor, toda língua o proclamará. Pense nos termos pelos quais temos o
privilégio de darmos glória a ele. Pense sobre seus nomes. Jesus Cristo é o
Maravilhoso Conselheiro, o Deus Forte, o Pai da Eternidade, o Príncipe da Paz.
Ele é o Messias, o Senhor, o Primeiro e o Último, o Começo e o Fim, o Alfa e o
Ômega, o Ancião de Dias, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, o Deus
conosco, Aquele que era, que é e que há de vir. Ele é chamado de a Porta das
Ovelhas, o Bom Pastor, o Grande Pastor e o Supremo Pastor, o Bispo das nossas
almas. Ele é o Cordeiro sem defeito e sem mácula, o Cordeiro imolado antes da
fundação do mundo. Ele é a Palavra, a Luz do Mundo, a Luz da Vida, a Árvore da
Vida, a Palavra da Vida, o Pão que desceu do céu, a Ressurreição e a Vida, o
Caminho, a Verdade, e a Vida. Ele é o Deus Emanuel. Ele é a Rocha, o Noivo, a
Sabedoria de Deus, nosso Redentor. Ele é o Cabeça de todas as coisas, o Amado
em quem Deus tem todo o seu prazer. É Jesus Cristo todas essas coisas para
você? Se Jesus representa todas essas gloriosas verdades para você, então, seus
joelhos se dobrarão e sua língua confessará que ele é Senhor para a glória de
Deus Pai.
Em
segundo lugar, que o Pai seja glorificado pela exaltação do Filho. O fim último
de todas as coisas é a glória de Deus (1Co 10.31). Paulo há havia advertido
contra o pecado da vanglória (2.3).
Toda
a glória que não é dada a Deus é glória vazia, é vanglória. Cristo se humilhou
e suportou a cruz para a glória de Deus (Jo 17.1). Ele ressuscitou e foi
exaltado para a glória de Deus (2.11). Ralph Martin sintetiza esse glorioso
pensamento de forma sublime:
O
senhorio de Cristo não compete com o de Deus, nem a entronização do Filho
ameaça a monarquia única do Pai. Cristo rege para a glória de Deus Pai. Sua
soberania é dom do Pai (2.9). Aquilo que ele recusou-se a usurpar
egoisticamente, num ato de enaltecimento próprio, destituído de sentido,
aprouve ao Pai conceder-lhe, agora.
A
última palavra é Pai, como que para enfatizar que, agora, no Cristo
pré-existente, encarnado, humilhado, exaltado, Deus e o mundo estão unidos, e
um novo segmento da humanidade, um microcosmo da nova ordem de Deus para o
universo, está nascendo (Ef 1.10).
Toda
a vida e obra de Jesus não apontam para sua glória pessoal, mas objetiva a
glória de Deus. Jesus atrai os homens para si para poder levá-los a Deus. Na
igreja de Filipos havia alguns que tinham o propósito de satisfazer suas
ambições egoístas. Porém, o único propósito de Jesus era servir a outros ainda
que isso tenha lhe custado a maior de todas as renúncias. Enquanto alguns
membros da igreja de Filipos queriam ser o centro das atenções, Jesus queria
que o único centro da atenção fosse Deus. Assim, também, o seguidor de Cristo
nunca deve pensar em si mesmo, senão nos demais; não deve buscar sua própria
glória, senão a glória de Deus. Rev. Hernandes Dias Lopes
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