quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A Mulher do Jardim

O
 homem veio do pó — e isso é verdade. Há algo nele que ainda guarda o cheiro da terra crua, o peso do barro úmido, a rudeza do chão. Adão foi moldado do lado de fora, onde o vento batia sem pedir licença e onde a criação ainda não tinha sido penteada pela mão da ternura divina. Era o mundo aberto, sem cercas, sem contornos, sem jardim.

Deus o tomou pelas mãos e o conduziu para dentro. Como quem apresenta uma casa nova ao filho, Ele o colocou no Éden — não como quem deposita um objeto, mas como quem introduz alguém num lugar que exige delicadezas. O jardim era outro mundo: águas correndo por caminhos desenhados, árvores escolhidas a dedo, fragrâncias que nunca existiram antes. Ali havia ordem. Ali havia presença.

Adão, que nasceu lá fora, estranhou. Havia beleza demais para quem tinha o pó como lembrança de origem. Mas ele ficou. E aprendeu.

Só então o céu anunciou um silêncio: “Não é bom que o homem esteja só.”

Foi dentro do jardim que essas palavras surgiram, como quem observa a solidão de alguém que já encontrou o que fazer, mas ainda não encontrou com quem viver.

E foi ali — exatamente ali — que a mulher nasceu. Ela não veio da terra bruta. Não brotou das partes ásperas do mundo. Não conheceu o vento sem destino do lado de fora.

A mulher foi formada no jardim. Nasceu já envolvida pela harmonia, tocada pela brisa que conhecia o rosto de Deus, cercada pelo canto dos rios e pela textura de folhas que nunca haviam sido pisadas. Sua primeira memória não é o barro, mas o perfume das flores. Seu primeiro cenário não é a terra a ser desbravada, e sim um lugar que já carregava sentido.

Por isso, talvez, ela tenha herdado algo que o homem não recebeu no instante inaugural. Enquanto ele traz no peito o chamado para cultivar, proteger, organizar — ela traz no olhar a memória do jardim.

O homem aprende o Éden. A mulher o recorda. Ele chega. Ela já está.

Adão olha para ela e reconhece algo que não viu do lado de fora: uma presença que não compete com a terra, mas a completa. Eva carrega o rumor da ordem, o eco da comunhão, a delicadeza que nasce quando se começa a vida dentro do lugar onde Deus passeia ao entardecer.

E assim, os dois se tornam um só movimento: o homem vindo de fora para dentro, a mulher crescendo de dentro para fora, até que ambos aprendem que a criação só se harmoniza quando o pó encontra o jardim e o jardim acolhe o pó.

Talvez seja por isso que, até hoje, a humanidade inteira busca um lugar onde pousar a alma — um espaço que devolva a lembrança perdida do Éden.

Alguns procuram esse lugar cavando a terra. Outros, cuidando dela.

Mas a mulher… a mulher, quando ama, quando acolhe, quando se doa, parece devolver ao mundo um fragmento daquilo que viu primeiro: a paz silenciosa do jardim onde nasceu.

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