quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A Laicidade e o Estado

O laicismo é uma doutrina que defende que a religião não deve ter influência nos assuntos de Estado.

Essa ideia foi responsável pela separação moderna entre a Igreja e o Estado e ganhou força com a Revolução Francesa (1789-1799). Portanto, podemos dizer que o Estado laico nasce com a Revolução Francesa e que a França é a mãe do laicismo.

Nos anos que se seguiram à revolução, o Estado francês tomou medidas em direção ao laicismo propriamente dito.

1790: todos os bens da Igreja foram nacionalizados;

1801: a Igreja passou para a tutela do Estado;

1882: o governo determina que o sistema de ensino público deve ser laico;

1905: a França se tornou um Estado Laico, separando definitivamente Estado e Igreja e garantindo a liberdade filosófica e religiosa;

2004: entra em vigor uma lei que proíbe vestes e símbolos religiosos em quaisquer estabelecimentos de ensino.

Vale ainda mencionar o caso dos Estados Unidos e a separação entre Igreja e Estado. A Constituição Americana foi aprovada em 1787 – e portanto, antes da Revolução Francesa – não criava nenhum vínculo entre Igreja e Estado, o que pode nos levar ao entendimento de que este tenha sido o primeiro país laico. Porém, a Constituição não deixava explícito que eles deveriam estar separados, apenas não fazia qualquer menção ao tema. Foi apenas na primeira emenda constitucional, em 1791, que se estabelece que “o Congresso não fará lei estabelecendo religião oficial, ou proibindo o livre exercício delas”.

No entanto, essa emenda tratava apenas do governo federal, e muitos estados continuaram religiosos depois da ratificação. Foi apenas com o caso Every vs Board of Education, em 1947, que a Suprema Corte incorporou a Establishment Cause, tornando os Estados Unidos da América definitivamente laico.

O Brasil foi uma colônia do Império Português de 1500 até a independência do controle de Portugal em 07 de setembro de 1822, período em que o catolicismo romano era a religião oficial do Estado.

Com a ascensão do Império do Brasil, embora o catolicismo mantivesse seu status de credo oficial subsidiado pelo Estado, e gozava de enormes privilégios, às outras religiões foi permitido florescer, visto que a Constituição de 1824 garantia o princípio de liberdade religiosa, mas com algumas restrições. As demais religiões eram proibidas, em decorrência da norma do art. 5º da Constituição dessa 1824. O catolicismo era subvencionado pelo Estado e gozava de enormes privilégios.

A liberdade religiosa para as religiões não católicas não era plena, pessoas de baixa renda e que não professassem o Catolicismo Romano não poderiam ocupar cargos políticos. Até 1890, o catolicismo era a religião oficial do Estado.

A queda do Império em 15 de novembro 1889, deu lugar ao regime republicano. Uma nova Constituição foi promulgada em 1891.

No Brasil, a separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada em 7 de janeiro de 1.890, pelo Decreto nº 119-A de Ruy Barbosa, e constitucionalmente consagrada pela Constituição de 1.891, tendo sido mantida desde então. A verdade é que a liberdade de crença já existia no Brasil antes do referido Decreto, contudo, a liberdade de culto não era uma realidade.

A atual Constituição Brasileira, de 1988, proíbe, em seu art. 19, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; ou seja, assegura o direito à liberdade religiosa individual de seus cidadãos, e proíbe o estabelecimento de igrejas estatais e de qualquer relação de "dependência ou aliança" de autoridades com os líderes religiosos, com exceção de "colaboração de interesse público, definida por lei.

O Brasil é o maior país católico do mundo, com uma estimativa de 127 milhões de fiéis, o que equivale a 65% da população do país e aproximadamente 12% dos católicos no mundo (dados de 2013 do IBGE). Mesmo com maioria católica, o país é oficialmente um Estado laico, ou seja, adota uma posição neutra no campo religioso, busca a imparcialidade nesses assuntos e não apoiando, nem discrimina nenhuma religião.

Apesar de citar Deus no preâmbulo, a Constituição Federal afirma no artigo 19, inciso I:

“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Esse trecho de nossa Constituição determina, portanto, que o Estado brasileiro não pode se manifestar religiosamente. Também vale notar que o artigo 5º, inciso VI também diz:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada está completamente mantida, desde que devidamente separada do Estado.

Em 2012, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) fez afirmações nesse sentido em sua decisão sobre o aborto de anencéfalos. Afirmou que “os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais.” Também sustentou que: “as concepções morais religiosas — unânimes, majoritárias ou minoritárias — não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas.”

Uma das principais polêmicas em relação à laicidade do Estado brasileiro é o uso de símbolos religiosos, como crucifixos, em repartições públicas. De acordo com críticos, essa prática fere os princípios do Estado laico porque, uma vez que instituições públicas ostentam símbolos de uma religião, estariam privilegiando-a em detrimento das demais crenças (ou descrenças).

A controvérsia já motivou decisões como a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que determinou a retirada de crucifixos de todos os prédios da Justiça gaúcha, em 2012. Mas a decisão foi revertida mais tarde pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que entendeu que a colocação dos crucifixos “não exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças, também não afeta o Estado laico, porque não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de religião”.

Outros pontos em que a laicidade não estaria sendo respeitada são a frase “Deus seja louvado”, imprimida no canto das notas da moeda oficial do país, o real, e a expressão “sob proteção de Deus” inserida no preâmbulo da Constituição Federal.

Além da presença de referências religiosas em instituições estatais, existe preocupação em relação ao crescimento do grupo de deputados federais e senadores evangélicos. A bancada evangélica se opõe a pautas como descriminalização do aborto, da eutanásia e leis contra a discriminação contra homossexuais e transexuais, enquanto defendem projetos como o Estatuto da Família, que reconhece como único núcleo familiar a união entre um homem e uma mulher, e a redução da maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos.

O número de evangélicos apenas cresce no país e isso se refletiu na composição do Congresso. De acordo com dados da Câmara, a bancada evangélica teria cerca de 200 integrantes (198 deputados, incluindo alguns que não estão no exercício do mandato, e 4 senadores).

A presença de um amplo grupo identificado com correntes religiosas específicas é vista como um desafio para a laicidade do Estado, uma vez que muitas das pautas citadas possuem relação com as convicções religiosas dos parlamentares (a ideia de família apenas como união entre homem e mulher, por exemplo).

A bancada também não é unanimidade entre os próprios evangélicos. Teólogos ouvidos no 10º seminário LGBT na Câmara entendem que o grupo é fundamentalista, porque busca impor suas convicções morais a toda a sociedade, além de fazer proselitismo religioso (ou seja, promover esforços para converter pessoas para sua religião).

A importância do Estado laico centra-se no fato de que a liberdade religiosa é um direito humano fundamental, o qual que deve ser garantido. Somente um Estado laico pode resguardar o respeito e a igualdade entre toda e qualquer religião, sem privilegiar algumas ou depreciar outras.

Laico significa o que ou quem não pertence ou não está sujeito a uma religião ou não é influenciado por ela. O termo “laico” tem sua origem etimológica no grego laikós que significa “do povo”. Está relacionado com a vida secular (mundana) e com atitudes profanas que não se conjugam com a vida religiosa.

O Brasil é um país que possui uma rica diversidade religiosa. Em função da miscigenação cultural, fruto dos vários processos imigratórios, encontramos em nosso país diversas religiões (cristã, islâmica, afro-brasileira, judaica, etc.). O Estado não tem uma religião oficial e, portanto, as escolas públicas devem seguir o mesmo caminho. Outro motivo importante para a escola pública ser laica é a Educação ser dever do Estado e não de igrejas. Sendo o Estado para todos, é justo que o ensino seja também o seja, não discriminando nenhum credo.

Mesmo com maioria católica, o país é oficialmente um Estado laico, ou seja, adota uma posição neutra no campo religioso, busca a imparcialidade nesses assuntos e não apoiando, nem discrimina nenhuma religião.

Num Estado laico garante-se o direito de crer no transcendente ou não. Mais que isso, assegura-se também que as regras válidas para todos e de obediência obrigatória não terão por base as crenças religiosas de um determinado grupo. O Estado laico trata todos os seus cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião.

Enquanto o Estado laico defende a livre expressão religiosa, o laicismo tenta a todo custo calar a boca dos religiosos não permitindo com que estes emitam opiniões.

No mundo inteiro, o ideal do Estado laico gera polêmicas. Nos últimos anos, foram registrados diversos casos em que a liberdade religiosa se chocou com a ideia de laicismo, gerando protestos. Ocorreu na França, com a proibição do uso do véu, na Alemanha, com a proibição de freiras de usarem hábito em escolas e repartições públicas e também aqui no Brasil, onde foi discutida a questão da presença de crucifixos em repartições públicas, entre outros assuntos.

Um Estado é considerado laico quando promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais.

O Estado também deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas.

Por outro lado, isso não significa dizer que o Estado é ateu, ou agnóstico. A descrença religiosa é tratada da mesma forma que os diversos tipos de crença.

Há um total de 96 estados laicos no mundo. África e Europa têm o maior número de estados laicos do mundo, com 27 e 33 estados laicos, respectivamente. Existem 20 estados laicos na Ásia, enquanto a América do Sul tem sete estados laicos, sendo o Brasil um dos estados laicos.

A Oceania e a América do Norte têm o menor número de estados laicos, com apenas 4 (Austrália, Nova Zelândia, Micronésia e Fiji) na Oceania e 5 (Estados Unidos, México, Cuba, Canadá e Honduras) na América do Norte. Exemplos de Estados Laicos, que não sofrem interferência religiosa em suas decisões políticas, são: Brasil, Estados Unidos, Japão, Canadá e Áustria.

Apesar de a laicidade ser adotada em diversos países mundo afora (alguns exemplos são Estados Unidos, Japão, Canadá, Áustria e África do Sul), ainda existem outras formas de relação entre Estado e religião.

Estado laico, secular ou não confessional é aquele que não adota uma religião oficial e no qual há separação entre o Clero e o Estado, de modo que não haja envolvimento entre os assuntos de um e de outro, muito menos sujeição do segundo ao primeiro.

Estado confessional

Muitos estados laicos exibem tendências vistas em estados religiosos. O Estado confessional é aquele que adota oficialmente uma ou mais religiões. Existe influência religiosa nas decisões do Estado, mas o poder secular predomina. São exemplos de Estados confessionais:

Reino Unido: a Inglaterra, maior nação do país, adota o cristianismo anglicano como religião oficial. Bispos anglicanos têm direito a 26 vagas na Câmara dos Lordes (equivalente ao nosso Senado).

Na prática, é o primeiro-ministro e a Câmara dos Comuns que concentram o poder político.

O Reino Unido é um estado laico reconhecido, mas sua constituição exige que o chefe de Estado jure proteger a Igreja da Inglaterra através do juramento de coroação. Este juramento que foi promulgado no final do século XVII é característico de estados religiosos e não de estados laicos.

São 13 países, incluindo nove na Europa -oficialmente cristãos; dois (Butão e Camboja) tem o budismo como religião do estado, e um (Israel) é oficialmente judeu.

Dinamarca: o Estado dinamarquês adota o cristianismo luterano como sua religião. Na prática, há ampla liberdade religiosa no país, onde vivem muitos imigrantes muçulmanos;

Butão: a constituição do país estabelece o budismo tibetano como religião oficial. Essa nação asiática garante liberdade religiosa, mas tem colocado limites a práticas de outras religiões (como atividades missionárias e construção de templos);

Arábia Saudita (islamismo): adota oficialmente o Islã e proíbe a prática de qualquer outra religião. Todos os cidadãos sauditas devem professar a fé islâmica, sob pena de serem executados pelo crime de apostasia.

Estado teocrático

Ao contrário do que acontece nos Estados laicos ou seculares, o Estado teocrático possui uma religião oficial, sendo proibida qualquer outra manifestação pública ou cultos que não pertençam à doutrina seguida pelo país. Nas teocracias, as decisões políticas e jurídicas passam pelas regras da religião oficial adotada.

Em países teocráticos, a religião pode exercer o poder político de forma direta, quando membros do próprio clero têm cargos públicos, ou de forma indireta, quando as decisões dos governantes e juízes (não religiosos) são controladas pelo clero.

São exemplos de Estados teocráticos: o Irã, que adota o islamismo como religião oficial e possui um aiatolá como chefe de Estado; o Vaticano, o país-sede da Igreja Católica, cujo chefe de Estado é o próprio papa, e os Estados onde há uma religião oficial, de modo que a adesão a outra religião, ou a negação da religião oficial, são puníveis criminalmente.

Alguns países foram inicialmente estados laicos, mas depois mudaram suas leis. Eles estabeleceram religiões estatais e transformaram-se em estados religiosos em progressão reversa. Existem apenas dois exemplos de tais países no mundo: Irã e Iraque.

O Irã se estabeleceu como um Estado laico em 1925 e manteve essa definição até a Revolução Islâmica de 1979.

Ela resultou na instituição do Islã como a religião do Estado no Irã. Outro país do Oriente Médio que é um antigo país laico é o Iraque, que se tornou um Estado laico depois de ganhar a independência em 1925. No entanto, o país adotou uma nova constituição em 2005, que reconheceu o Islã como religião do Estado, transformando o Iraque em estado religioso.

Estado ateu

A grande diferença entre o Estado ateu e o Estado laico está, respectivamente, na inexistência de Deus ou outra divindade espiritual e a liberdade de qualquer tipo de prática religiosa, baseada na imparcialidade do Estado. O Estado deve respeito ao ateísmo e quaisquer outras formas de crença religiosa.

Um Estado ateu é caracterizado pela proibição ou perseguição a práticas religiosas. O Estado não apenas se separa da religião, mas a combate. Exemplos de ateísmo de Estado podem ser encontrados em experiências socialistas ou comunistas do século XX: União Soviética (URSS), Cuba, China, Coreia do Norte, Camboja, entre outros.

Hoje em dia, parte desses países adota a liberdade religiosa e o secularismo: a Rússia é um país laico; a China garante a liberdade de crença, apesar de permitir apenas um conjunto de religiões registradas; e a Coreia do Norte também permite oficialmente a liberdade religiosa, apesar de que cerca de 64% da população norte-coreana não professa nenhuma religião.

A laicidade é um tema que gera muitas controvérsias, pois implica a manutenção de um equilíbrio tênue entre liberdade de crença e imparcialidade do Estado em relação à religião. Esse equilíbrio é delicado, mas tem como benefício esperado um Estado que respeita a diversidade de crença existente dentro da população.


Fontes de pesquisa:



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