Naquele dia o tempo estava fechado, nublado, com uma fina e teimosa chuva a molestar. Eram dias de “pós carnaval”. Plena quaresma.
As imagens dos “santos” em tamanho natural, estavam todas vestidas e acobertadas, e com um brilho impecável!
De repente, olho em direção à porta pela qual entrei, e avisto algumas crianças de calção surrado, molhado, sem camisa, descalças, à porta, se escondendo da chuva e tremendo de frio. Senti uma emoção forte e repentina. Meu Deus! Que injustiça! Que falta de amor! Que vontade de rebelar, quebrar a “tradição quaresmal”, tirar as roupas das imagens dos “santos” e dá-las às crianças para poderem se aquentar.
Naquele dia, inesquecível (hoje faz 33 anos), como Jacó, lutei com o anjo e vi a Face de Deus! Foi a minha luta em Peniel. Começou então, minha verdadeira devoção à sagrada face!
Esta foi uma revelação particular da pessoa de Deus para minha vida. Nada de sudários, nada de estampas, nada de Verônica, Turim e coisas assim.
Vivendo em Jesus, os traços misericordiosos de Sua face se imprimem em nós e nos fazem perceber todo o seu amor. Tornamo-nos novamente, imagem e semelhança de Deus! Adquirimos o semblante de Jesus, o olhar, o sorriso, sua expressão. Os gestos de Jesus, as atitudes, as maneiras dele, enfim, seu amor.
Estamos em 2021. Passados 33 anos, essa semana, vi uma imagem destruída na praça de Vila Abernéssia. A depredação dessa imagem simples e pequena, embora de imenso valor para nossa história, causou-me novamente, enorme comoção.
Não esqueço que existe uma imagem infinitamente mais preciosa em nós mesmos, que não deve ser descuidada, nem destruída. Cada pessoa, traz em si a imagem e semelhança de Deus!
Nesse mesmo dia, caminhando pelas ruas da cidade, vi jovens e crianças, adultos e velhos, amontoados e deitados com farrapos e cachorros na Parada Viola; no Gazebo da praça de Vila Abernéssia; no prédio da Telefônica; na praça de Vila Jaguaribe; e na praça ao lado e atrás do mercado municipal. (Obs: Não são pessoas perdedoras, mas, perdidas que precisam ser encontradas por Deus).
Meu Deus! Como estão espalhadas as pedras do santuário sobre cada rua! Os preciosos filhos de Sião, avaliados a puro ouro, como são agora reputados por vasos de barro, obra das mãos do oleiro! Quantas pedras espalhadas pelas ruas e praças de Campos do Jordão, meu Deus! Pedras preciosas nas praças, sem brilho, desvalorizadas, escondidas no "lodo", tratadas como vis pedras comuns. Como se escureceu o ouro! Como se mudou o ouro puro e bom!
Quantas imagens e semelhanças de Deus profanadas pela falta de oportunidade, aviltada pela discriminação e o desprezo, humilhada pela miséria e a violência! Imagens manchadas pelos vícios, aviltadas pela degradação moral, pelo pecado. Os que comiam comidas finas agora desfalecem nas ruas; os que se criaram em carmesim abraçam monturos.
Os seus nobres eram mais puros do que a neve, mais brancos do que o leite, mais vermelhos de corpo do que os rubis, e mais polidos do que a safira. (Lamentações).
Existem muitas pessoas que se esquecem do tão grande valor que tem aos olhos de Deus, e se escondem em meio a tantas coisas do mundo. Escureceu o seu aspecto mais do que o negrume; não são conhecidos nas ruas; a sua pele se lhes pegou aos ossos, secou-se, tornou-se como um pedaço de pau. O pecado tirou a honra e a dignidade, roubou a moral e desvalorizou o homem.
Quantas imagens preciosas, necessitadas de restauro para recuperar a sua beleza e dignidade original! Sim, essas imagens vivas de Deus, possuem uma dignidade imensa e inigualável.
Mas Jesus, o Filho de Deus, pagou um preço muito alto por todos: Seu precioso sangue, jorrado no madeiro, devolveu o valor e a honra destruídas, para que ninguém mais seja tratado novamente como pedrinhas quaisquer, pois o que na verdade somos é filhos amados e valiosos aos olhos de Deus Pai. Na pessoa do Filho de Deus, Jesus, porém, podemos ser restaurados:
"Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor" (II Cor. 3,18).
Vamos olhar para eles com compaixão, independente dos seus problemas e da condição em que vivem. Procuremos olhar com os olhos de Jesus. Quando enxergamos as pessoas como perdedoras, nós as tratamos com descaso, mas quando as vemos como pessoas perdidas que precisam ser encontradas por Deus, nós as tratamos com compaixão. Jesus nunca vê perdedores, apenas pessoas perdidas a quem Ele ama e deseja resgatar! Não é por acaso que Ele disse: "Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido" (Lucas 19:10).
A Igreja também é um ateliê de Deus, uma Casa de Restauração de Sua imagem e semelhança. Um lugar onde aquele que sofre, o irmão, gritando por socorro nas ruas, esquinas, praças públicas, favelas, bocas, cadeias ou quem sabe dentro da própria casa, encontra o próprio Jesus.
A depredação da imagem na praça de Vila Abernéssia acabou sendo uma mensagem para os nossos tempos, onde falta o amor...
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