O Segundo Gênesis não nasce do pó, nem começa com o eco de “Haja luz” lançado sobre o vazio primitivo.
Ele surge quando o mundo, já cansado de suas próprias sombras, escuta um chamado antigo — aquele mesmo que moldou o primeiro jardim, agora retornando como promessa cumprida. Segundo Gênesis não é princípio: é plenitude.
É o instante em que Deus devolve ao universo o que o universo não conseguiu manter.
Imagine um mundo onde o tempo não
fere mais. Onde cada segundo, em vez de avançar como lâmina, repousa como
brisa. Nesse lugar, o calendário é desnecessário, porque não há mais despedidas
a marcar.
O Segundo Gênesis começa
justamente aí: quando a vida deixa de ser provisória. A paisagem é familiar,
mas não conhecida. É jardim — ainda jardim — porém atravessado por ruas que
brilham como se fossem feitas da memória da luz. É cidade — ainda cidade —
porém livre de portas, porque nada precisa ser barrado. E no centro, onde antes
havia medo, agora há um rio que não se esgota. Ele corre sem pressa, como se
encarnasse o próprio descanso de Deus.
No Primeiro Gênesis, a árvore da
vida ficava no meio do jardim, símbolo de um acesso que a desobediência fechou.
No Segundo Gênesis, a mesma
árvore se multiplica nas margens do rio, oferecendo frutos em todas as estações
— doze, para ser mais exato, como se o ano inteiro quisesse se ajoelhar diante
da eternidade. E suas folhas curam o que nenhum século conseguiu curar: o
cansaço ancestral da humanidade.
O Segundo Gênesis também tem um
povo. Mas é um povo sem medo, sem culpa, sem a sensação de que o rosto de Deus
é algo distante demais. Eles veem — com olhos que finalmente aprenderam a ver —
e saber que Deus está ali se torna tão natural quanto respirar.
No Primeiro Gênesis, Deus
passeava ao entardecer. No Segundo, Ele habita.
A sombra da queda não precisa
mais ser confrontada, porque simplesmente não existe. Não há noite; não há
trevas. A luz não depende de astros: brota do próprio Deus, permanente como
verdade.
E, curiosamente, não há templo. Não
porque o sagrado desapareceu, mas porque o mundo inteiro se tornou templo. Deus
e o Cordeiro são o espaço da adoração, e a adoração se tornou a atmosfera da
existência.
O Segundo Gênesis é um Éden
alargado ao tamanho da eternidade. É o primeiro jardim restaurado, curado,
elevado, ampliado. Nada ali é frágil. Nada é passageiro. Nada se perde.
Se o primeiro capítulo da Bíblia
descreve o mundo como deveria ser, o último descreve o mundo como finalmente
será. Entre um e outro, caminhamos — feridos, esperançosos, persistentes — em
direção a esse jardim-cidade que nos devolve tudo.
O Segundo Gênesis é a resposta
final. É o amém de Deus às dores do mundo. É o retorno à casa que nunca deixou
de existir, apenas esperava ser reaberta. E cada vez que a fé respira fundo,
esse jardim acende uma pequena luz dentro de nós, lembrando que a história não
está indo para o fim. Está indo para o recomeço
O Segundo Gênesis não é apenas um
capítulo futuro. É o recomeco que Deus guardou dentro do fim. Chamo de Segundo
Gênesis esse território onde o tempo se curva diante de Deus e, pela primeira
vez desde o Éden, respira sem feridas.
Não é continuação: é desfecho que
floresce. Não é retorno ao princípio: é o princípio amadurecido. Se o Primeiro
Gênesis nasceu da Palavra criadora, o Segundo surge da Palavra cumprida. Não há
mais caos aguardando ordem; há plenitude aguardando ser habitada.
No limiar desse novo mundo,
percebe-se algo na própria atmosfera: uma espécie de claridade firme, não
cortante, que jamais se apaga. É como se a luz tivesse parado de sofrer
oscilações — como se tivesse finalmente encontrado o seu domicílio definitivo.
A cidade aparece diante de quem
chega não como arquitetura, mas como revelação. As paredes não são de pedra:
são de presença. As ruas não refletem o sol: refletem o rosto de Deus, que
agora ilumina tudo sem precisar de astros. A noite, aquela filha velha da
queda, finalmente desaprendeu a existir. O rio da vida corre sem pressa. Corre
como quem conhece o caminho desde antes do tempo.
Dizem que brota do próprio trono,
e a água tem esse brilho íntimo de coisa que nunca tocou o pecado.
A árvore da vida se levanta à sua
margem, oferecendo frutos como quem oferece memória — memória do que fomos
destinados a ser.
É aqui que a humanidade se
reencontra. Não com a inocência do Éden, mas com a maturidade do perdão.
O Segundo Gênesis não devolve
apenas o que foi perdido — amplia, aprofunda, transfigura. No Primeiro, o homem
era imagem. No Segundo, enfim contempla o Rosto que o moldou.
Deus não vem ao entardecer. Ele
está. Sua presença não é visita: é morada. Seu nome não é buscado: é respirado.
E se escutarmos bem, perceberemos que o Segundo Gênesis não precisa de
serpentes expulsas, porque nada ali sugere ameaça. Tudo é chão firme. Tudo é
paz que não precisa explicar-se.
Alguns dizem que esse novo mundo
será como voltar ao lar. Eu prefiro pensar que será como chegar, pela primeira
vez, ao lugar que nossa alma sempre pressentiu mas nunca encontrou em pleno
dia.
A história, enfim, termina onde
sempre quis começar: num espaço onde Deus e humanidade caminham sem barreiras, onde
o tempo já não escorre, e onde a vida — agora incorruptível — se levanta para
reinar para sempre.
Este é o Segundo Gênesis: o Éden restaurado, sim, mas também o Éden ampliado, elevado à sua vocação eterna. A criação, finalmente, como Deus a sonhou.

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