Você já deve ter ouvido umas mil vezes: “Não se preocupe, tudo vai dar certo!” Este é o eterno otimismo que nasce, não das provações da realidade, mas dos desejos da imaginação do sonho Americano, do faz-de-conta de Hollywood, ou da pura ingenuidade. Todos sabemos que não o é de todo verdade. Conhecemos casos de crianças que foram abatidas por um câncer ou por um motorista bêbado. Conhecemos casos de viciados em drogas que vieram de bons lares, de homens de família que perderam seus empregos, de soldados que retornaram do campo de batalha com um membro a menos. Estamos à par de incontáveis tragédias e sofrimentos desnecessários, mesmo assim repetimos para nossos filhos sem sequer pensar duas vezes: “Não se preocupe; tudo vai dar certo.”
Este sentimento não é novo; não começou na modernidade. Os antigos gregos e romanos diziam coisas semelhantes a seus filhos sabendo que suas palavras eram ocas. E, o apóstolo Paulo também disse algo deste tipo. A diferença é que Paulo não escreveu um cheque em branco otimista. Ele condicionou seu sentimento com importantes qualificadores, e ele definiu o que é “bem” como algo que está além do conforto e das riquezas.
Diz-se que no campo da imobiliária, há três princípios fundamentais que alguém deve seguir quando estiver comprando uma casa: o local, o local, e o local. Na interpretação das Escrituras, há também três princípios fundamentais: o contexto, o contexto, e o contexto. Romanos 8:28 não é uma exceção a esta regra. Se observarmos este texto em seu contexto, logo entenderemos sua intenção.
O contexto geral de Romanos 8:28 é um em que Paulo trata do viver pelo poder do Espírito em meio ao sofrimento e a dor. Paulo não era indiferente ao sofrimento. Suas várias experiências à ponto de morte, açoitamentos, prisões, e perseguições foram suficientes para erradicar qualquer ingenuidade que pudesse se ocultar em seu coração. No contexto imediato, dentro do próprio versículo, Paulo expressa os pré-requisitos para o que é “bom” (ou “bem”, NT) acontecer: “sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rom 8:28, BRP). Paulo não está dando esta promessa para todas as pessoas, mas apenas para aqueles “que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.”
Mas o que isto significa? Aqueles que amam a Deus são, de acordo com este contexto, cristãos, porque eles são chamados de acordo com o propósito de Deus (note o v. 30: os “chamados” são também os “justificados,” que serão “glorificados”). Alguns entendem o particípio presente “que amam” (ajgapw'sin) como uma condição temporal, como se ele quisesse dizer: “Enquanto você amar Deus, as coisas vão cooperar, mas quando você não estiver mais amando a Deus, as coisas não vão cooperar para o seu bem.” Esta interpretação, todavia, é improvável. Primeiro, o tempo desta construção grega é muito provavelmente um presente gnômico, assim indicando uma característica, em vez de uma condição temporal. Segundo, os versículos seguintes (vv. 29-30) falam da nossa conformidade a Cristo, nossa glorificação, como um resultado inevitável daqueles que amam a Deus. E isto não depende do quanto nós amamos a Deus, mas da obra que Cristo fez na cruz. Paulo conclui este capítulo explicitamente declarando que nada pode nos separar do amor de Deus (vv. 38-39). E, por inferência, isto incluiria até aqueles lapsos temporários do nosso amor pelo Salvador.
O que é, então, o “bem”? Isto está definido para nós, à princípio pelo menos, no versículo 29; um dos versículos esquecidos das Escrituras: “Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (BRP). O “bem” não é o nosso conforto, riqueza, ou saúde. É a conformidade a Cristo! Este “bem” é, portanto, totalmente definido no próximo versículo: “E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou” (BRP). Em fim, todas as coisas cooperam para trazer cada cristão à conformidade de Cristo, para trazer cada cristão à glória. Paulo está tão certo de que isto se realizará, que ele fala da nossa glorificação no tempo pretérito. Ele usa o que é chamado de “aoristo proléptico;” é um mecanismo da língua grega que o autor usa quando está querendo dizer algo que é tão bom como se já tivesse acontecido. Não apenas isto, mas ninguém está perdido entre predestinação e glorificação. Paulo não diz “alguns daqueles”, nem mesmo “a maioria daqueles”, quando descreve cada estágio da jornada da salvação. Da predestinação à glorificação, ele usa simplesmente “aqueles” (ou{ ou touvtou); o pronome, que se repete, refere-se ao grupo inteiro que foi mencionado antes. Ninguém vai perder o trem na jornada da salvação.
Quando lemos Rom 8:28 em seu contexto, nós podemos dar uma resposta positiva à questão da dor e do sofrimento no mundo. Não vemos nada de bom na miséria e nos desastres deste mundo, mas este mundo não é toda a realidade que existe. Há um “até então...”. Há um lugar além do horizonte do qual nossos sentidos podem apreender, e é mais real e mais duradouro do que o que experimentamos nesta casca mortal. Deus está usando o presente, até mesmo um presente miserável, para nos conformar à imagem do seu Filho. Se definirmos o que é “bom” como apenas o que podemos ver nesta vida, então perdemos a mensagem deste texto. Pois, como Paulo havia dito antes no mesmo capítulo, “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rom 8:18, BRP). Os cristãos ocidentais, especialmente os cristãos americanos, tendem a deturpar o sentido de textos como Rom 8:28. Se nossas vidas forem confortáveis, se tivermos riquezas, boa saúde, então, está tudo bem. Mas, este não era o “bem” que Paulo tinha em mente, e este não é o alvo da vida cristã.
Daniel Wallace
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