Isaac Newton, quem diria, era um religioso fanático, obcecado
por experiências místicas. E esse lado oculto foi essencial para ele se tornar
o pai da ciência moderna.
O homem que descobriu a
gravidade e as leis do movimento, criou a ótica e reinventou a matemática
também legou à humanidade receitas para transformar metais em ouro, remédios
feitos com centopeias e uma lista de pecados que costumava anotar em seus
cadernos. Passou a vida estudando a Bíblia para prever quando Jesus voltaria à
Terra.
Contraditório? Não para a época. Quando Isaac Newton
nasceu, na Inglaterra de 1642, matemática, religião, ciência e magia se
confundiam. Astronomia e astrologia eram a mesma coisa. Alquimia e química também.
“O século XVII foi uma transição entre a Idade Média e o Iluminismo”, afirma o
físico Eduardo de Campos Valadares, professor da UFMG e autor do livro Newton –
A Órbita da Terra em um Copo d’Água.
“Os homens que criaram o nosso jeito de pensar viveram
com ideias medievais, barrocas, e tementes a Deus.”
No caso de Newton, o misticismo e a religião não só
conviveram com a ciência como a fortaleceram. “Seu mergulho profundo nas
experiências alquímicas e nas raízes da teologia pode ter influenciado seus pensamentos
a respeito de uma visão mais ampla do Universo”, afirma Michael White, autor da
biografia Isaac Newton – O Último Feiticeiro.
Até o século XX, Newton era conhecido como um cara
racional. Após sua morte, escritores trataram de ressaltar seus feitos e sua
obra-prima, o “Princípios
Matemáticos da Filosofia Natural”. Nesse livro, ele mostrou, matematicamente,
que um corpo parado ou em movimento tende a ficar assim se não houver outra
força na jogada. Com a Lei da Gravitação Universal, Newton provou que todos os corpos do Universo, seja a Lua ou uma maçã,
obedecem à mesma força de atração. Mas o outro lado de Newton passou batido. Só
veio à tona em 1936, com o economista John Maynard Keynes, o criador da Teoria
do Estado de Bem-Estar Social.
Depois de ter acesso a documentos e anotações do físico,
Keynes deu uma palestra mostrando-o como um místico e fanático. “Newton não foi
o primeiro da Idade da Razão. Foi o último dos mágicos”, disse Keynes.
Newton morreu afirmando que o movimento e as órbitas dos
planetas eram definidos por Deus, assim como a composição da
matéria. “Se os homens, animais etc. tivessem sido criados por
ajuntamentos fortuitos de átomos, haveria neles muitas partes inúteis, aqui uma
protuberância de carne, ali um membro a mais. Alguns animais poderiam
ter um olho só, outros, mais dois”, escreveu.
Científico e religioso, ele fez da matemática um modo de
estudar a Bíblia. Fazia cálculos imensos para confirmar as histórias
bíblicas mais inverossímeis. Um exemplo é a criação do mundo em 7 dias. Newton acreditava
na criação por Deus e, para resolver o problema de um tempo tão curto, observou
que a Bíblia não afirma quantas horas durava um dia no momento da Criação. Como
ainda não existia Terra nem movimento de rotação, um dia poderia ser quanto
Deus decidisse. Para fazer previsões sobre o futuro do mundo, Newton não se
baseou nos dias contados pela Bíblia. Ele tomou como base o gafanhoto, uma das
pragas de Deus no Antigo Testamento, que vive em média 5 meses. A partir desse
número, ele cravou que os judeus voltariam a Jerusalém em 1899, e em 1948
ocorreria a segunda vinda de Cristo à Terra. Depois, se passariam 1000 anos de
paz.
Previsões eram importantes porque a vida, na época, não
era nada fácil. Nos anos 1600, 90% da população inglesa vivia no que se
chama hoje de pobreza absoluta. Em 1665, 100 mil ingleses morreram de
peste negra.
Em 1666, “ano da Besta”, a peste continuou e, para
piorar, um incêndio queimou 13 mil casas e 87 igrejas de Londres. Procissões
anunciando o fim do mundo eram comuns nas estradas da Inglaterra.
No best seller, "O Código Da Vinci", Newton aparece como um
dos membros do Priorado de Sião, a organização secreta que protegeria dos católicos
o segredo de Maria Madalena como mulher e sucessora de Jesus. Nada se sabe
sobre o priorado ou a crença de Newton em Maria Madalena, mas o resto de suas
ideias passa perto do livro de Dan Brown.
Puritano radical, Newton seguia o arianismo, doutrina que
considerava Jesus Cristo um intermediário entre Deus e os homens. Essa visão é contrária
à da Igreja Católica, que tem como símbolo máximo de Deus a Santíssima Trindade
(“Pai, Filho e Espírito Santo”). A Igreja Católica era tudo o que Newton mais
odiava. Chamava-a de Anticristo – ou de a “meretriz da Babilônia”
– e acreditava que todas as mentiras do mundo tinham começado no Concílio de
Nicéia, em 325. O concílio estabeleceu toda a simbologia cristã que se usa até
hoje. Ali foi decidida a força da Santíssima Trindade e a ambivalência entre
Jesus e Deus. Newton achava que isso era fruto da corrupção dos políticos romanos, preocupados em conquistar mais fiéis.
Para o biógrafo White, a fascinação de Newton por uma
figura bíblica, o rei Salomão, influenciou na criação da gravitação universal.
Salomão teve seu templo construído por volta de 1000 a.C., em
Jerusalém. Seguindo o Livro de Ezequiel, Newton imaginou o templo com um fogo
central, onde aconteciam sacrifícios, e os discípulos de Jesus colocados em
círculo ao redor. “É visível o paralelo entre o sistema solar e o templo: os
planetas correspondem aos discípulos, e o fogo do templo é o modelo do Sol”, afirma
White.
Newton foi uma criança solitária. Aos 3 anos, a mãe o
deixou com parentes e foi se casar com um coroa rico. O filho passou a infância
lendo livros de teologia, que discutiam detalhes complicados da Bíblia. Aos 13,
leu "Os Mistérios da Natureza e da Arte", de John Dare, livro que copiou quase
inteiro e usou como fonte de inspiração. O maior passatempo era brincar no
laboratório de um boticário que o hospedou por um tempo.
Foi ali que ele teve o primeiro contato com a química.
Passava os sábados sozinho no fundo da botica, inventando remédios e anotando
doenças – montou um caderno com 200 delas. Na escola, era relaxado
e autodidata. Só começou a estudar matemática aos 19 anos, quando
entrou no Trinity Colegge, em Cambridge. Depois das aulas, anotava os
pecados que havia cometido: “desejar a morte ou esperar que ela ocorra a alguém”
ou “roubar cerejas”.
Quando adulto, Newton virou um chato. Passava a maior
parte dos seus dias sozinho com suas pesquisas. Como aluno e depois
professor em Cambridge, tinha poucas conversas. Se ofendia facilmente, era
vingativo e preferia não publicar seus trabalhos. Quando publicava
algum, escrevia somente em latim e proibia que os textos fossem
traduzidos para o inglês. Não queria que qualquer alfabetizado tivesse acesso a
suas obras e pudesse criticá-lo. Newton nem mesmo tinha alunos. “Tão poucos iam ouvi-lo, menos ainda o entendiam, que com
frequência ele, por falta de ouvintes, lia para as paredes”, escreveu em diário
seu assistente na universidade.
Newton gostava de trabalhar sozinho porque tinha medo que
descobrissem sua arte secreta: a alquimia. No século XVII, os experimentos alquímicos atingiram o auge. Por toda a Europa,
vendedores de manuscritos ilegais distribuíam teorias sobre a pedra filosofal e
guias para obter o elixir da longa vida. Newton era fascinado por esses objetivos
e pela ideia de conseguir achar uma explicação única para todos os fenômenos da
natureza. “Ele encarava o aprendizado como uma forma de obsessão, uma busca a
serviço de Deus”, afirma James Gleick, autor de Isaac Newton. “Os alquimistas
trabalhavam como uma sociedade secreta, com medo da perseguição da Igreja”, diz
Valadares.
Eles usavam pseudônimos e se comunicavam por códigos. O
criador da gravitação universal se chamava Jeová Sanctus Unus, um
anagrama de Isaacus Neuutonus, seu nome em latim.
Em 1970, uma análise química mostrou uma concentração
enorme de chumbo e mercúrio nos cabelos de Newton. Era o que se esperava. Por quase
30 anos, entre 1666 e 1696, época em que produziu a maioria de sua obra
científica, Newton gastou muito mais tempo tentando criar o mercúrio filosofal
que estudando as leis do Universo. Passava noites em claro cercado de
fornalhas, misturando metais em um cadinho. Anotava metodicamente verbetes e
experiências. Em 1670, os rascunhos viraram o livro "A Chave", formado por
receitas e verbetes alquímicos. Também fazia experimentos esquisitos, como
ficar olhando para o Sol o máximo que conseguisse só para ver o que aconteceria
e enfiar furadores nos olhos para tentar descobrir o que havia atrás.
Esse alquimista começou a aparecer na cena acadêmica da
Inglaterra com a criação de um telescópio de reflexão, em 1669. Tratava-se de
um modelo pequeno, quase do tamanho de uma luneta, capaz de mostrar Júpiter e
suas luas. O aparelho virou febre nas reuniões da Royal Society, o clubinho de
cientistas da época, e foi apresentado ao rei Carlos XX.
Depois, Newton cedeu à insistência de um amigo e decidiu
encaminhar à sociedade um texto sobre a Teoria das Cores. Com o artigo, o mundo ficou sabendo que a cor branca era
a soma de todas as outras – e o prisma era capaz de separá-las. O pessoal da
sociedade ficou impressionado, e Newton, aos 29 anos, acabou virando membro da
Royal Society, do qual seria presidente.
Apesar do reconhecimento, Newton seguiu isolado em
Cambridge fazendo experiências místicas. Mas passou a ter contato com os
filósofos naturais por cartas ou por meio da correspondência oficial da Royal Society.
Esse periódico era um protótipo das revistas científicas de hoje, incluindo de
pesquisas óticas a relatos sobre hermafroditas, unicórnios e lobisomens.
O contato com os cientistas trouxe dor de cabeça. Newton
passou a travar polêmicas brabas com quem discordava de suas ideias. O primeiro
inimigo foi Robert Hooke. Apesar do sucesso de ter descoberto a célula, Hooke
era um picareta do século XVII: anotava em um diário detalhes das noites com
várias mulheres, afirmava ter inventado 30 formas de voar (mas não divulgava,
para que ninguém as copiasse) e adorava colocar Newton em contradição. Mas a
pendenga mais longa, Newton travou com o matemático alemão Leibniz, disputando o
mérito pela invenção do cálculo, método que permite calcular áreas, volumes e a
taxa de mudança em qualquer ponto da função, hoje fundamental para descobrir
desde a posição de uma nave espacial até ganhos de uma aplicação
financeira. A polêmica sobre quem criou o cálculo permanece.
Mas a amizade e as brigas com os colegas ajudaram Newton
a criar suas maiores teorias. Em 1684, ele recebeu a visita de Edmund Halley,
um astrônomo curioso a respeito de suas ideias sobre as forças entre o Sol e os
planetas. Quatro anos antes, um cometa havia passado duas vezes pelo céu da Europa, fazendo a astronomia entrar na moda. Na
época, a ideia da gravitação universal era comentada, mas ninguém conseguia
prová-la.
Halley fez o professor de Cambridge tentar. Na mesma
época, Newton passou a trocar cartas enfurecidas com Hooke sobre o que
aconteceria com um objeto solto no alto da Terra. Hooke mostrou várias vezes à
Royal Society que Newton havia feito previsões erradas sobre a
trajetória do objeto. Isso irritou o alquimista.
Meses depois, impulsionado pelo objetivo de se vingar de
Hooke, Newton chegou à Lei da Gravitação Universal.
“A correção de Hooke fez com que eu descobrisse o
teorema” , confessou anos depois. Com o apoio de Halley, que acabou virando
nome do cometa, Newton publicou os "Principia" em 1687. A gravitação universal
foi descrita na última parte do livro. Segundo essa lei, a força entre os
planetas depende da massa dos astros e é inversamente proporcional ao quadrado
da distância que os separam do Sol. E isso vale para todas as coisas. “Essa
teoria faria Newton mostrar que as forças que regem o Universo podem ser
demonstradas em menor escala aqui na Terra”, diz Valadares. As 3 primeiras
partes dos "Principia" tratam da inércia do movimento dos corpos.
Esses princípios fundaram a dinâmica, ciência que usamos
hoje em dia até para calcular se dá tempo de atravessar a rua. Ideias assim, na
verdade, já tinham sido pensadas por outros filósofos naturais da época. A
diferença é que Newton conseguiu prová-las com base em dados reais das órbitas
dos planetas e cometas.
O que havia de revolucionário em Newton não era tanto o
que ele pensava, mas como pensava. “A ciência do século XVII não é de resultados palpáveis”, afirma o físico Eduardo Valadares. “O que
Newton fez foi estruturar uma maneira diferente de ver o mundo.” No século XVII,
teses não provadas eram tidas como certas – como a ideia de que o Universo era
composto de um éter gosmento que envolvia os planetas – e ninguém achava que fosse necessária alguma comprovação. Newton,
diferente da maioria dos colegas, não se dava por satisfeito com uma
boa ideia. Foi ele quem fez da ciência um sistema de lançar hipóteses que
precisam ser verificadas na prática e matematicamente. É assim, usando o método
newtoniano, que nós pesquisamos e pensamos hoje. Não à toa, Newton teve como um
dos seus melhores amigos o filósofo John Locke, pai do empirismo, segundo o
qual a base do conhecimento não era a imaginação, mas a experiência.
Depois de ter publicado os "Principia", Newton foi
consagrado e virou figura chique da Inglaterra. Apesar de pouca gente entender
o que ele dizia (mais ou menos como as ideias de Einstein), ficou rico e
famoso. Foi convidado a participar do Parlamento britânico, tornou-se diretor
da Casa da Moeda e presidente da Royal Society. Depois da virada para o século XVIII,
suas ideias começaram a ser usadas na construção das máquinas que iniciariam a
Revolução Industrial e no método racionalista do Iluminismo. Nos últimos anos
de vida, passou a dedicar mais tempo ao estudo da Bíblia.
Suas contas sobre as previsões do Apocalipse viraram uma
obra póstuma, "Observações sobre as Profecias de Daniel." Foi nela que ele cravou
o ano de 1948 como data da segunda aparição de Cristo.
Em 1727, enquanto os criadores das máquinas a vapor
nasciam na Inglaterra, Newton morreu tentando descobrir a data que Deus tinha marcado
para o Juízo Final.
A história de que Newton descobriu a gravidade quando uma
maçã caiu na sua cabeça é antiga. Um dos primeiros a contá-la foi o filósofo
Voltaire, que escreveu sobre Newton e o tornou famoso entre os franceses.
Voltaire afirmou ter ouvido a história de uma sobrinha do físico. Já o biógrafo
William Stukeley disse ter ouvido do próprio. Segundo eles, o fato teria
ocorrido em 1665, quando Newton estava na casa da mãe se protegendo da peste
das cidades.
À noite, no jardim, uma maçã teria caído não em sua
cabeça, mas entre ele e a Lua. Ao ver a cena, Newton teria se questionado se a força
que puxava a maçã para baixo era a mesma que fazia a Lua girar em torno da
Terra. Verdade ou não, o fato é que o físico ainda demoraria duas décadas para
fazer essa descoberta.
Não há registros de que Newton teve relações com
mulheres. Se algum dia se apaixonou, foi por um homem: Nicolas Fatio de Duillier,
um jovem matemático suíço. Cartas entre os dois intrigam os historiadores. Têm
vários códigos e palavras cortadas. Os dois provavelmente trocavam dados sobre
alquimia, daí a razão da escrita misteriosa. Mas pouca gente sabe a razão para
o tom melodramático das cartas. “Pretendo ir a Londres na próxima semana e
ficaria muito feliz de hospedar-me junto a ti”, disse Newton na primeira carta.
Meses depois, ao saber que Fatio estava doente, escreveu: “Recebi tua carta e o
quanto fui afetado não posso exprimir”. Newton viajou várias vezes para Londres
só para encontrar Fatio. A amizade durou 4 anos, até o jovem ir embora para
sempre da Inglaterra. (Leandro Narloch - Revista Superinteressante).
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