Levando em consideração a importância que o perdão e a reconciliação têm nas Escrituras e no plano redentor de Deus, por que esse perdão não se estendeu também a satanás e seus anjos? Por que definitivamente eles não podem ser reconciliados com Deus? Ou existe a possibilidade desses seres decaídos também encontrarem a redenção?
Assuntos como esse não são tratados diretamente nas Escrituras. A revelação nela contida não se volta para especulações, mas evidencia fatos. E são a esses fatos bíblicos que precisamos nos ater, ainda que alguma indagação nossa permaneça sem resposta.
A verdade é que em parte alguma das Escrituras a possibilidade de perdão para o diabo e seus anjos é apresentada. Pelo contrário, a geena, ou seja, o inferno, é apresentado como sendo um lugar preparado justamente para eles.
Então, dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos (Mt. 25,41).
Em nenhuma ocasião da Bíblia ventila-se um destino diferente para o diabo que não a condenação eterna. Qualquer afirmação nesse sentido é resultado de sentimentos humanos, não da Palavra de Deus.
A verdade é que dentro da história da Igreja já houve quem defendesse perdão para satanás e os demônios. De fato, Orígenes de Alexandria (185 – 254) esboçou essa ideia. Ele é o que podemos chamar de um dos primeiros “universalistas”, pessoas que acreditam que ao final Deus perdoará todas as pessoas e ninguém será condenado a uma eternidade de tormento longe Dele. No caso de Orígenes, esse perdão universal, essa “indulgência plena” incluía até mesmo o príncipe das trevas. No entanto, Orígenes tivera muitas ideias estranhas, antibíblicas, como uma preexistência da alma ou o próprio universalismo onde ele defendia a salvação final de todos. Graças a Deus, suas ideias foram condenadas no Sínodo de Constantinopla em 543 d.C.
Em tempos modernos temos um exemplo mais ousado com respeito à salvação de satanás. Ele vem da Legião da Boa Vontade (LBV), um grupo religioso espírita, fundado por Alziro Zarur, que alega ser portador da “quarta revelação” (Moisés, Jesus, Kardec e Zarur).
Em um universalismo extremo, a Legião da Boa Vontade chega a acreditar na salvação do próprio Diabo. Segundo Zarur, não há razão para acreditar que ele não possa também ser salvo. Não apenas ele acreditava na salvação de Satanás, como também conclamava aos cristãos que intercedessem junto a Deus para que isso acontecesse:
Diz-nos parte do poema do fundador da LBV, Alziro Zarur: “Por que odiarmos nós a Satanás, se ele, também, é criação divina?…Por que não transformar num bom amigo a Satanás, em vez de o combater? Amigos meus, oremos por Satã, amemo-lo de todo coração, e respondamos sempre com o perdão aos males que nos faça, hoje e amanhã. E, um dia, todos nós iremos ver Satanás redimido, a trabalhar por aqueles que veio tresmalhar dos rebanhos de Cristo, e reviver! Porque se assim, amigos, não quiserem aqueles que se chamam “os cristãos”, lavemos, desde já as nossas mãos, ante às iniqüidades que fizeram. Por mim, com honra, eu amo Satanás, meu pobre irmão perdido nos infernos, com este amor dos sentimentos ternos, pra que ele, também receba a paz”. (Mensagem de Jesus para os Sobreviventes, Poema completo: p.130/132/133).
Por mais absurdas que essas ideias possam parecer, elas foram propostas e acharam pessoas que aderiram a elas. Ainda que uma resposta à pergunta: “Por que satanás não pode ser perdoado?” não apareça diretamente nas Escrituras, igualmente não aparece nas Escrituras a afirmação de isso possa ou venha de fato a acontecer. Logo, nossa posição como cristãos crentes na Bíblia é que ele não será perdoado e podemos tentar formular, à partir da própria Bíblia, razões coerentes para isso.
Embora alguns possam imaginar que a pergunta é indevida, na verdade ela não é. Mesmo que entre naqueles pontos sobre os quais as Escrituras não se concentram, o questionamento possui sua lógica e merece ao menos uma tentativa de resposta. Aqui apresentamos alguns pontos que podem ajudar em nosso entendimento. Talvez para alguns não sejam argumentos incontestáveis, mas se harmonizam com o que nos foi revelado.
Sua natureza é superior à humana. Os seres angélicos são “maiores em força e poder” (2 Pedro 2.11) do que nós. Por sua natureza puramente espiritual, seu relacionamento com Deus é diferente daqueles dos seres humanos. É uma relação direta de espírito para aquele que é Espírito (João 4.24).
Por esses fatos, sua responsabilidade com o Criador era maior do que a nossa. Sua condição era superior, sua fidelidade deveria ter sido maior, por isso as consequências sobre ele foram maiores.
A natureza de sua transgressão. Ainda que todo pecado seja pecado e separe o homem de Deus, suas intensidades, logo suas consequências, divergem. Jesus disse que o pecado de Judas era maior do que o de Pilatos (João 19.11). Pilatos era omissão, Judas traição. Pilatos era um estranho, Judas um discípulo. Adão, cedeu à tentação; Satanás, voluntariamente, arquitetou uma rebelião aberta. Se tomarmos suas palavras, intenções e atitudes expressas em Ezequiel 28.17 e Isaías 14.13, 14 vemos uma pecaminosidade muito mais intensa do que a cometida pelo primeiro casal. Isso não é tornar o pecado de Adão e Eva algo sem importância ou sua punição injusta. É apenas discernir o grau e a natureza de cada transgressão.
Ele não expressa arrependimento. Não há perdão nem graça sem arrependimento. E em nenhum lugar percebemos tal atitude por parte de Lúcifer. A frase que Milton colocou na boca de Satanás: “É melhor reinar no inferno do que servir no céu”[1], pode ser fictícia, mas reflete essa atitude arrogante, prepotente e impenitente do querubim caído. A questão não é só que ele não possa ser perdoado, mas que de fato ele mesmo não deseja isso. Arrependimento pressupõe consciência da soberania de Deus e de seus padrões morais. Para Lúcifer, ao que parece, os padrões divinos são um incômodo, não um limite a ser respeitado.
A onisciência divina não registrou seu arrependimento. Um assunto tão importante quanto o arrependimento e reconciliação de satanás não passaria despercebido aos olhos de Deus. Certamente o Senhor, em sua onisciência, nos informaria se esse fato viesse a acontecer em algum futuro, mesmo que distante. No entanto, justamente ao contrário, no Apocalipse, é mostrado que o diabo, após ser solto de uma prisão de mil anos, tornar a rebelar-se e a arrastar homens com ele nessa rebelião (Ap. 20,7-10). Aqui temos sua última revolta e seu castigo eterno aplicado.
Então, a questão não é apenas que ele possa arrepender-se ou ser perdoado. Ele não vai arrepender-se e nem ser perdoado como mostra as Escrituras sobre o futuro dele.
Temos estupros, latrocínios, chacinas, maldades sem par, feitas por homens. Muitas vezes contra crianças e vulneráveis. Nenhum de nós gostaria de viver em um mundo onde os que cometem tais atrocidades sejam simplesmente perdoados sem que haja da parte deles nenhum arrependimento ou correção.
Os universalistas, que defendem tal possibilidade para os perversos, ou ainda pior, para satanás, desconhecem a natureza justa de Deus. Os homens podem não saber distinguir o bem do mal, mas para Deus tal diferença é evidente e cabe a ele conceder o que cabe a cada uma dessas atitudes.
J. B. Phillips em seu livro "Seu Deus é Pequeno Demais", conta a história de crianças em uma escola dominical que descreveram Deus como “Um senhor idoso que mora nos céus”. Essa imagem de um vovô bonachão, que releva e passa a mão na cabeça dos netos não importando o que eles façam, não tem nada a ver com o Deus da Bíblia. Seu amor ardente e profundo não ofusca sua justiça, nem deixa de chamar o mal de mal e de lidar com ele como mal.
Só uma visão distorcida de quem é Deus pode gerar o universalismo ou imaginar a possibilidade de perdão para Lúcifer e seus anjos caídos.
[1] Famosa citação do livro "Paraíso Perdido", de John Milton.
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