Em 19 de fevereiro de 1473 nascia Copérnico, o astrônomo e matemático polonês que desenvolveu a teoria heliocêntrica do Sistema Solar. A teoria de Nicolau Copérnico (1473-1543) contrariava a então vigente teoria geocêntrica (que considerava a Terra como o centro), e é tida como uma das mais importantes hipóteses científicas de todos os tempos, tendo constituído o ponto de partida da astronomia moderna. Copérnico publicou a sua teoria do modelo heliocêntrico no livro De revolutionibus orbium coelestium (“Da revolução de esferas celestes”), durante o ano de sua morte, 1543, conquanto já houvesse desenvolvido a teoria algumas décadas antes.
O heliocentrismo de Copérnico descrevia mais círculos, os quais tinham os mesmos centros, do que a teoria de Ptolomeu (modelo geocêntrico). Analisando os corpos celestes, Copérnico salientava que o movimento aparente do céu era uma ilusão causada pelo movimento do observador. Apesar de Copérnico colocar o Sol como centro das esferas celestiais, em rigor, ele não fez do Sol o centro do universo, mas perto dele. Conquanto naquele tempo a Igreja Católica Romana aceitasse essencialmente o geocentrismo aristotélico, o modelo de Copérnico influenciou muitos cientistas renomados que viriam a fazer parte da história, como Galileu e Kepler, que assimilaram e melhoraram a sua teoria.
No século vinte, o físico e filósofo Thomas Kuhn (1922-1996) argumentou que Copérnico apenas transferiu algumas propriedades, antes atribuídas a Terra, para as funções astronômicas do Sol. Outros historiadores, por sua vez, argumentaram que Kuhn subestimou quão revolucionárias eram as teorias de Copérnico, e enfatizaram a dificuldade que o polonês enfrentou ao modificar a teoria astronômica da época, utilizando apenas uma geometria simples e não dispondo de nenhuma evidência experimental.
A obra “Copérnico em Conversa com Deus” (acima) despertou a minha atenção. Nela, Jan Matejko — pintor polonês famoso por retratar personalidades históricas, políticas e eventos militares — retrata o seu famoso compatriota naquilo que denominou de uma “conversa com Deus”. Copérnico era uma pessoa formada num contexto de fortes convicções religiosas, tendo sido educado pelo tio, futuro bispo de Ermlend, depois de ficar órfão aos onze anos. Em 1501, Copérnico aceitou o cargo de cônego da catedral de Frauenburg, para o qual foi indicado por seu tio. O geocentrismo era doutrina assumida em bases religiosas, como se fora uma verdade divina. Portanto, Copérnico experimentou em sua trajetória pessoal os desafios no diálogo entre a fé e a ciência – diálogo este nem sempre amistoso e equilibrado. Um outro elemento importante, é que a teoria de Copérnico ressentia-se de evidência experimental, e recorria principalmente à geometria.
No que seria uma espinha dorsal da doutrina que os teólogos reformados holandeses chamaram de “graça comum”, Agostinho escreveu, em sua obra A Doutrina Cristã, que “todo bom e verdadeiro cristão há de saber que a Verdade, em qualquer parte em que se encontre, é propriedade do Senhor.” Este princípio propõe, entre outras coisas, prudência e humildade ao religioso. Onde estava a verdade de Deus? Com o geocentrismo da igreja medieval ou com o heliocentrismo de Copérnico? Este não propôs a sua teoria como um dogma ou como uma “lei de medos e persas que não pode ser revogada”. Sua teoria tem sido revisada e recebeu a contribuição (e até revisão) posterior de estudos experimentais.
A doutrina cristã da Criação propõe que o homem, por ser um mordomo, deve exercer tal mordomia pactual com a melhor luz que dispuser, agindo neste mundo de forma sóbria e esclarecida. Indague-se, portanto: O modelo heliocêntrico lançou mais luz para a compreensão científica do universo, e para uma mordomia mais lúcida na esfera da criação? Observe que Jan Matejko retrata Copérnico num cenário gótico medieval, e suas ferramentas são iluminadas pela luz divina que procede de cima. É preciso lembrar que a tela é apenas uma retratação artística, e não se presta à teologia ou a qualquer apologética doutrinal. Porém, chama a atenção o astrônomo surpreendido, sobressaltado mesmo. Em geral, é isto que acontece quando grandes e antigos dogmas, assumidos como “verdades”, quer seja pela religião ou pela ciência, são revolucionariamente contrariados: luzes e sobressaltos. Embora não sempre necessariamente nesta ordem.
Gilson Santos
https://gilsonsantos.com/2013/01/24/coprnico-em-conversa-com-deus-jan-matejko/
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