sábado, 19 de dezembro de 2020

O Náufrago de Malta

Paulo, acompanhado por Lucas (o escritor da narrativa bíblica) e Aristarco, começou a longa viagem. Todos os prisioneiros estavam a cargo de Júlio, um centurião roma­no. Os apóstolos foram tratados com cortesia e amizade desde o início. Quando chegaram em Creta, em Bons Por­tos, já iniciava o tempo do inverno. Isto trazia grandes perigos para a navegação em alto mar. Procuravam um porto melhor, Fenice, também em Creta. Paulo viu (por certo em visão) o perigo de avançarem. Apesar dos avisos do após­tolo, os oficiais do navio e do exército resolveram prosse­guir. Na curta viagem para o porto seguinte, o navio foi violentamente atacado por um vento de inverno. O navio foi impelido para as proximidades do outro lado do Medi­terrâneo. Enfrentou uma tempestade de 15 dias. A experi­ência era como um símbolo do que Paulo vivia desde que foi preso em Jerusalém. Navegava num mar tempestuoso de aflições já há dois anos! Deus, porém, estava ao seu lado nessa tempestade como em todas as demais. Atos 23.11; 27.22-23.

Não havia perigo de Paulo sofrer dano em qualquer tempestade. A vontade de Deus era que testificasse em Roma. Em meio à tempestade reconhecemos o controle de Deus, segundo seu propósito, sobre todas as circunstânci­as. Isto significa bênçãos para os que estão dentro do pro­pósito divino. Do ponto de vista humano, Paulo era um prisioneiro no navio. Para Deus, o apóstolo era o capitão, e os demais, prisioneiros (27.21-26,30,31-34). A situação tornou-se desesperadora. Tanto o capitão como o centurião viram-se incapazes de fazer qualquer coisa. Paulo, então, levantou-se, não como prisioneiro ou passageiro amedrontado, mas como profeta do Deus Altíssimo. Avisou a todos a bordo que um anjo de Deus lhe apareceu, dizendo: "Pau­lo, não temas; importa que sejas apresentado a César, e eis que Deus te deu todos quantos navegam contigo". O ho­mem que anda segundo a vontade de Deus domina todas as circunstâncias e se impõe em qualquer situação.

 

A experiência de Paulo na tempestade, dentro da von­tade de Deus, contrasta com a de Jonas, que estava em desobediência. Comparando as duas, notamos: Paulo viaja­va para cumprir sua sagrada vocação. Jonas fugia da cha­mada que recebeu. Este se escondeu e dormiu durante a tempestade. Aquele dirigia as operações e encorajava os passageiros. A presença de Jonas no navio era a causa da tempestade. O navio em que Paulo viajava seria preserva­do de todo dano se os tripulantes respeitassem seu aviso (At 27.9,10). Jonas foi forçado a dar testemunho acerca de Deus (Jn 1.8,9). Paulo, com boa vontade e coragem, falou acerca da sua visão e do seu Deus. A presença de Jonas no navio ameaçava a vida dos gentios. A presença de Paulo era uma garantia para a vida dos seus companheiros de viagem. O navio em que Jonas viajava recebeu alívio quan­do ele foi jogado no mar. A conservação de Paulo salvou a tripulação do navio no qual era prisioneiro. Há muita diferença em atravessar uma tempestade dentro e fora da vontade de Deus! Paulo, andando segundo o querer de Deus, em comunhão com Ele, tornou-se bênção para todos quantos atravessavam o perigo com ele.

 

O navio, finalmente, encalhou na praia de Malta, perto da Itália, onde começou a ser despedaçado pelas ondas. Os soldados queriam matar os prisioneiros para evitar que fugissem. Era um costume romano. A mão de Deus, po­rém, estava com o seu mensageiro. Júlio foi impulsionado a poupar a vida de todos. Nenhum poder, nos céus ou na terra, acabaria com Paulo enquanto Deus tivesse um plano especial para sua vida. Ele pregaria o Evangelho em Roma.

 

Conforme Paulo anunciou, todos escaparam ilesos para a terra. Ficaram na ilha durante o inverno, um período de três meses. Mais uma vez foi manifestada a presença de Deus através de Paulo. Primeiro, foi protegido contra os efeitos da mordida de uma víbora. Segundo, ele foi vaso de bênçãos para os habitantes. Muitas pessoas na ilha receberam a cura divina através de seu ministério.

 

A Chegada em Segurança (At 28)

 

Passou o período do ano durante o qual surgiam as tem­pestades. Paulo e seus companheiros embarcaram num navio de transporte de trigo. Os detalhes destes capítulos (27 e 28) comprovam que uma testemunha ocular (Lucas) esteve presente a cada passo.

 

Paulo foi encorajado com uma descoberta: Deus coloca servos nos lugares mais inesperados. Em cada porto onde o navio tocava na Itália, e depois, ao longo do caminho para Roma, havia cristãos que vinham saudá-lo, ajudá-lo e encorajá-lo (28.11-15).

 

O prisioneiro judeu seguia ao longo das estradas, para Roma. Talvez despertasse olhares de zombaria enquanto passava. Os cristãos que o acompanhavam, no entanto, sabiam que andavam ao lado do embaixador de Cristo. Um embaixador em cadeias (Ef 6.20; 2 Co 5.20). Paulo nunca disse que era prisioneiro do Império Romano. Não! Chamava-se "prisioneiro de Jesus Cristo" (Fm 1). Dizia com isso que estava preso à vontade de Deus. Cumpria o plano de Deus para sua vida e sua obra. E, também, que todas as coisas cooperam para o bem.

 

Humanamente, a detenção de Paulo parecia um grande golpe contra o Cristianismo. As viagens missionárias fo­ram interrompidas. Deus, no entanto, na sua soberania, trans­formou tudo em bênçãos para o mundo inteiro (Fp 1.12). Como isso contribuiu para o progresso do Evangelho? Paulo foi assim preservado das ciladas assassinas dos judeus. Houve oportunidade para descanso, muita oração e medi­tação após as árduas labutas. Várias epístolas surgiram como fruto do cativeiro: Filipenses, Colossenses, Efésios e Filemon. Paulo teve a oportunidade sem igual de testificar diante de guardas romanos, de forma contínua. Acorrentados a ele, não podiam escapar! As trocas de guardas eram frequentes. Os que passavam um período com Paulo comen­tavam seus ensinamentos nas casernas e tabernas da cidade de Roma. Sendo membros do grupo de guarda-costas dos governadores, semeavam a nova religião nas cortes e pa­lácios do mundo civilizado. Paulo não visitava as igre­jas. Todavia, muitos obreiros e interessados vinham a ele para obter inspiração e orientação, de modo profun­do e particular.

 

Ensinamentos Práticos

 

1. Considere atentamente o conselho dos santificados"Mas o centurião cria mais no piloto e no mestre, do que no que dizia Paulo" (27.11). Em 1902, um terremoto des­truiu Saint-Pierre, capital da Martinica, e 30.000 pessoas morreram. Uma comissão científica havia examinado o vulcão que ali existia, e concluíra não haver mais perigo. Certas pessoas, porém, tinham a convicção espiritual de que um castigo cairia sobre aquela cidade tão libertina. Queriam licença para ir embora. O governador confiou no relatório científico, e não deu crédito a tais pessoas. O resultado foi uma tragédia.

 

Há muitos anos, o mundo está confiando totalmente nas ciências. O progresso humano está planejado nas linhas da biologia, sociologia, engenharia etc. Os pregadores têm sido considerados visionários sem valor prático. O povo em geral confia mais em conclusões de peritos nas ciências do que nas advertências dos homens de visão espiritual. Porém, tem sido comprovado que a ciência, divorciada do temor a Deus, pode destruir sociedades e civilizações inteiras. A civilização moderna ainda reconhecerá que nunca deveria ter desprezado o antigo Cristianismo bíblico.

 

2. O perigo da suposição"E, soprando o vento sul brandamente, lhes pareceu terem já o que desejavam". Paulo advertiu que o navio não devia se arriscar fora do porto. As circunstâncias externas, no entanto, fizeram os responsá­veis pelo navio supor que tudo iria bem.

 

As suposições traem muita gente! O pecador "supõe" que o castigo não virá, principalmente quando seu vento sopra brandamente. Maria e José viajaram "supondo" que Jesus estava com eles. Acabaram sofrendo três dias de angústias. E, também, descobriram que seu filho já estava fora de alcance dos seus entendimentos. Nós, por indife­rença espiritual, perdemos a comunhão com o Senhor "su­pondo" que somos bons cristãos. O povo de Listra, "su­pondo" que Paulo havia morrido apedrejado, jogou-o no monturo. A atuação de Paulo, no entanto, continua bem viva. A sociedade moderna continua o apedrejamento "supondo" que a espiritualidade foi extirpada e jogada para longe. Não conhecem o poder ressurreto da religião de Cristo.

 

3. A cilada dos ventos suavesA vida humana passa por mudanças de clima assim como o oceano. Às vezes senti­mos frio diante dos ventos gelados. Ou podem estar so­prando brisas suaves. Mas, justamente quando tudo vai bem, surgem repentinas tempestades! Doenças, decepções, lutas e tentações não marcam entrevistas de antemão! E estes acontecimentos testam a profundidade da nossa experiên­cia religiosa.

 

O vento suave da prosperidade é mais perigoso do que os tempestuosos. Eles dão um falso senso de suficiência própria e, imperceptivelmente, afastam a pessoa de sua dependência de Deus. Daí surge uma crise que revela todas as suas fraquezas espirituais. Estamos desfrutando de bom tempo em nossa vida? Graças a Deus por isso! Todavia, dediquemo-nos àquilo que fortalece nossa espiritualidade enquanto é possível. Afinal, nosso barco pode ser testado por uma tempestade quando menos esperamos (Mt 7.24-29).

 

4. Oração e açãoPaulo orava muito. E trabalhava com a orientação, ânimo e amor que obtinha de seus momentos de oração. Recebeu uma visão da parte de Deus sobre a preservação daquelas vidas. Isto o animou a fazer sua par­te: ajudou a esvaziar o navio da carga e da armação. Tam­bém encorajou todos a comerem e se prepararem. Impediu a fuga dos marinheiros, e, em terra firme, foi enérgico em alimentar uma fogueira com gravetos.

 

5. A crítica construtiva"Fora, na verdade, razoável, ó varões, ter-me ouvido a mim e não partir de Creta, e assim evitariam este incômodo e esta perdição". O apóstolo, po­rém, não se limitou a dizer o que deveriam ter feito. Passou a dar instruções sobre como enfrentar a situação surgida (vv. 21-26). Certo provérbio de uma tribo africana manda "tirar a criança da água antes de dar palmadas nela". E fácil repreender as pessoas pelo que fizeram de errado. É mais construtivo, no entanto, ensinar como sair do proble­ma e nunca mais cair nele. Se fracassarmos como cristãos e recorrermos a Deus, pedindo sabedoria, Ele nos dará o que é preciso. E não nos "lança em rosto" (Tg 1.5).

 

6. Passando por escurosHá momentos na vida em que, espiritualmente falando, passamos por tempos sem "sol nem estrelas" (27.20). Ou seja, um período de trevas espirituais. As causas são várias: esgotamento físico, a não utilização dos meios da graça, opressão por espíritos malignos ou provação da fé. Seja qual for a causa, podemos ter ânimo: o sol da espiritualidade voltará a brilhar. Mesmo não sen­tindo o calor espiritual, podemos continuar obedecendo a Deus. E não devemos nos queixar a outros da nossa falta de disposição. Acima de tudo, precisamos repudiar qual­quer tipo de pecado. E estarmos prontos para tudo o que Deus deseja de nós.

 

O texto de 27.20 também pode ser aplicado às condi­ções políticas internacionais. Em períodos de crise mundi­al, a fé do cristão o deixa triunfante em meio ao desespero. O futuro pertence a Cristo e aos seus seguidores. A hora mais escura será justamente antes da aurora eterna.

 

7. O ministério de animar os outros"Mas agora vos admoesto a que tenhais bom ânimo..." Assim atuava Paulo ao ver pessoas desanimadas e amedrontadas em meio a batalha da vida. Este ministério de encorajamento é muito necessário na vida moderna, com todas as tensões mentais e nervosas que ela traz. Alguns sabem encobrir suas tristezas com um sorriso cortês. Mas é surpreendente descobrir quantas delas precisam urgentemente de uma palavra de encorajamento.

Eis alguns exemplos de onde se pode aplicar o ministé­rio de encorajamento:

 

7.1. Há aqueles que são acanhados e sem confiançaPossuem talentos, mas não os empregam para o bem de todos. Acham-se inferiorizados, inúteis. Tais pessoas se abrirão como flores com alguns raios do sol do encorajamento.

 

7.2. Há os que trabalham "atrás do palco". São aqueles que fazem o serviço construtivo mas silencioso, enquanto outros ganham a popularidade e os aplausos. Há a mãe que silenciosamen­te cria seus filhos para Deus. Há a esposa do pregador que, lá em casa, ora em prol da obra. E, na vida diária, abre mão de muitas coisas para não sobrecarregar o orçamento pastoral. Algumas das pessoas mais nobres do mundo inteiro não ganham fama nem publicidade. Tais pessoas necessi­tam de encorajamento. Precisam saber que o serviço cris­tão não se mede pela glória dos homens. É medido pela fidelidade ao próprio Jesus.

 

7.3. Há os que se sentem velhos, inúteis e até um fardo para os outrosO serviço cristão, porém, não é medido em forças físicas. Os mais velhos têm um caráter nobre e maduro, desenvolvido por longos anos de obediência a Cristo em todas as circunstâncias. E, também, acumularam meditações na Palavra de Deus. Na verdade são uma gran­de riqueza para dar conteúdo às personalidades mais jo­vens onde existe vigor sem maturidade.

 

7.4. Há obreiros desanimados por acharem que ninguém aprecia seus esforçosUma palavra de apreciação, dando valor à obra, pode tirar um obreiro da depressão. Pode deixá-lo radiante e jubiloso no seu serviço cristão.

 

As palavras de encorajamento só terão efeito se forem sinceras. Oremos para que o Espírito Santo nos inspire. Então, verdadeiramente apreciaremos o valor de nossos companheiros na fé e teremos amor por nossos vizinhos.

 

8. A soberania de Cristo"Deus, de quem eu sou, e a quem sirvo..." Paulo, antes um fariseu independente e autossuficiente, gosta de dizer, como cristão, que Jesus o com­prara e que já não pertencia a si mesmo. A vida cristã é simples: basta reconhecer na prática, e nas atividades e palavras, que Jesus é o Senhor. Ele nos comprou na cruz. "E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressus­citou" (2 Co 5.15).

 

Se Jesus é nosso Salvador, também deve ser reconheci­do como Mestre. Se não está sendo Senhor de tudo em nossa vida, não é nosso Senhor de modo algum. Não po­demos servi-lo sem primeiro pertencermos a Ele.

 

9. "Ilumine o cantinho onde você está""Deus te deu todos quantos navegam contigo". Não podemos escolher todas as situações em nossa vida. Assim como Paulo, Deus pode consentir que fiquemos em lugares difíceis. A finali­dade é nos transformar em bênçãos para outros. Para pes­soas que, de outra forma, nunca teríamos conhecido. Pode­mos lastimar o fato de morarmos ou trabalharmos no meio de ímpios. Mas este problema pode ser transformado em oportunidade.

 

10. Âncoras da alma"Lançaram da popa quatro ânco­ras, desejando que viesse o dia". As tempestades da vida nos submetem a tremendas sobrecargas. Em tais ocasiões, precisamos de realidades espirituais sólidas, como âncoras para a alma. Nas tribulações e tentações, quais são as gran­des âncoras da alma? "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três..." (1 Co 13.13). A fé se firma nas promessas de Deus. A esperança firma a alma com visões da expectativa futura. O amor nos leva a deixar de lado nossas próprias preocupações e ir ao encontro dos outros. A estas realidades podemos aplicar as palavras de 27.31: "Se vestes não ficarem no navio, não poderei salvar-vos". Não importa quão grande sejam as tempestades, as grandes realidades eternas segurarão nossa alma.

 

Bibliografia M. Pearlman

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