“Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” (Hb. 12,14).
No capítulo 12 da carta aos Hebreus, a santificação ocupa posição de proeminência. Deve ser priorizada, almejada e perseguida: “Segui a paz com todos e a santificação” (Hb 12.14). Há, aqui, a ideia de algo que deve ser buscado com firmeza de propósito, com determinação. Faz parte dos planos eternos de Deus que cada filho Seu alcance a santificação e, para isso, o próprio Deus dedica-Se à educação deles: “É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?” (Hb 12.7).
Esse princípio é repetido no verso 10 deste capítulo: “Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento”. Santificação é o meio que Deus usa para conduzir Seus filhos pelos caminhos da fé, preparando-os para receber graça sobre graça: “Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio de vós” ( Js 3.5).
I. Exortação à santificação (Hb 12.12-17)
Santificação é o processo de modelagem pelo qual a essência da imagem e semelhança de Deus, desonrada pelo pecado, vai sendo regravada no coração do homem. A santificação é operada pelo Espírito Santo de Deus e leva em conta a renúncia do “eu”, desejos e vontades da carne, pela decisão incondicional de seguir a Cristo.
Numa direta conexão com o parágrafo anterior, que tratou dos atos disciplinares de Deus, a carta apresenta, agora, os aspectos pertinentes ao esforço do cristão. São palavras de encorajamento que, também, trazem à memória promessas extraídas de porções proféticas. O objetivo do autor é levar seus leitores a uma busca constante e diligente (esforço pessoal) do padrão divino de espiritualidade (santidade), que se opõe aos fracassos e derrotas da carne. São conselhos que devem ser observados.
1. Não se deixe abater pelo desânimo (Hb 12.12)
Usando Isaías 35.3, o autor da carta aos Hebreus traz à memória as bênçãos do reino restaurado, prometido àqueles que permanecem firmes. Tanto o profeta Isaías como o autor dessa carta têm em mente a eficácia da vigilância espiritual – santificação (Is 35.4). Mãos descaídas e joelhos trôpegos reproduzem uma imagem negativa, sugerem desalento e ruína, inadequados àqueles que têm a promessa da vitória em Cristo (Rm 8.37; 1Co 15.57-58).
2. Não pegue atalhos (Hb 12.13)
A exortação aqui é contra os descaminhos que conduzem à perdição. Eles são ameaça à vida espiritual. O caminho que conduz à cidade eterna não tem atalhos ou desvios, é caminho reto por onde pode andar com segurança até mesmo “o manco”. “Existem ‘mancos’ entre as fileiras dos filhos de Deus. Eles são especialmente ameaçados na vida espiritual” (Fritz Laubach, p.212).
3. Siga a paz (Hb 12.14)
Esforçar-se em prol da paz é dever de todos. Compartilhar com o próximo a paz que temos em Deus faz parte do processo da nossa santificação (cf. Rm 12.17-20). A paz que domina o coração do cristão deve, também, guiar o seu relacionamento interpessoal. “Aparta-te do mal” (Sl 34.14).
4. Busque a santidade (Hb 12.14)
Santificação é separação do pecado para Deus; sugere pureza de alma, consagração, desvio de contendas, da imoralidade, da incredulidade e de qualquer tipo de idolatria; é indispensável para um viver vitorioso e agradável a Deus; deve ser buscada constantemente, pois só a santificação corrige as imperfeições geradas pelo pecado e leva o homem a participar da própria santidade de Deus: “… Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.10).
5. Evite a contaminação (Hb 12.15)
O autor associa amargura com contaminação. A amargura corrompe, começa dentro da pessoa e vai contaminando o ambiente todo. Santificação pressupõe vigilância pessoal e propósito firme para o combate a qualquer raiz que possa produzir amargura (cf. Dt 29.16-19). O antídoto, aqui, é o apropriar-se da graça: “ninguém seja faltoso, separando-se da graça”.
6. Cuidado com as escolhas (Hb 12.15-18)
Aquele que se desvia da graça é comparado a Esaú, que trocou seu direito de primogenitura por um repasto. “Sua estultícia em trocar seu privilégio como filho primogênito veio a ser um exemplo de todos aqueles que colocam vantagens materiais ou sensuais antes da sua herança espiritual” (Guthrie, p.242). Segundo alguns comentaristas, a palavra “profano” pode ser entendida como irreligioso – alguém que caminha na contramão da espiritualidade.
A terrível escolha de Esaú não podia ser desfeita: “não achou lugar de arrependimento” (Hb 12.17). Escolhas erradas podem deixar marcas irreversíveis naqueles que se apartam da “graça de Deus”.]
II. O Sinai terreno e a Sião celestial (Hb 12.18-24)
Nesse parágrafo, o autor retoma o tema principal: a supremacia da nova aliança. Os elementos físicos e estrondosos percebidos na outorga da lei, no Sinai, dão lugar ao “sangue da aspersão que fala coisas superiores”, no monte Sião, a Jerusalém celestial, símbolo do evangelho da graça, que nos compromete com a santificação.
1. As marcas do Sinai terreno (Hb 12.18-21)
Não obstante reverente e majestosa, a revelação divina no Sinai expressa a imperfeição e a limitação da antiga aliança, e os efeitos assustadores que provocava nas pessoas.
a) Percebidas através dos sentidos físicos (Hb 12.18-19)
A outorga da lei foi acompanhada por sinais palpáveis aos homens. O pano de fundo dessa porção foi extraído dos relatos de Êxodo 19.12-25; 20.18-21 entre outros. A ideia do autor é trazer à memória os aspectos físicos que cercavam a antiga aliança.
b) Caracterizadas pelo medo (Hb 12.20-21)
A natureza inspiradora de temor daquele evento fala por si mesma. As manifestações visíveis de Deus eram aterradoras: o fogo, as trevas, a tempestade e o clangor da trombeta caracterizavam o juízo divino, impossível de ser suportado pelos homens. A citação: “pois já não suportavam o que lhes era ordenado” (Hb 12.20) dá ideia do pavor que o espetáculo glorioso proporcionava. O autor chega a interpretar os sentimentos do próprio Moisés: “Na verdade, de tal modo era horrível o espetáculo, que Moisés disse: Sinto-me aterrado e trêmulo” (Hb 12.21).
c) Protagonizadas por um Deus distante (Hb 12.20)
Na antiga aliança, o relacionamento de Deus com o Seu povo é marcado pelo distanciamento, pela separação, a exemplo da proposta do Santo dos Santos. O texto de Êxodo 19, citado pelo autor, mostra o método usado por Deus para relacionar-Se com a Sua criação na antiga aliança: “Marcarás em redor limites ao povo, dizendo: Guardai-vos de subir ao monte, nem toqueis o seu termo; todo aquele que tocar o monte será morto” (Êx 19.12-13).
2. O caráter distintivo da nova aliança – Sião celestial (Hb 12.22-24)
Em profundo contraste com a antiga, a nova aliança enfatiza o acolhimento divino expresso na graça disponível aos que creem. Não há mais lugar para o medo nem para o distanciamento de Deus. A santidade de Deus permanece inabalável; todavia, na nova aliança, é cercada de abundante graça.
a) Percebido através dos sentidos espirituais (Hb 12.22)
A proximidade com Deus dá o toque espiritual que contrapõe o Sinai, o lugar da lei, com a Jerusalém celestial, a cidade do Deus vivo, o lugar da redenção. A linguagem usada dá um tom vívido de espiritualidade. Não há nada terreno ou físico que possa sugerir alguma limitação ou imperfeição à nova aliança. A ideia é dar ênfase a esse caráter espiritual da nova aliança.
b) Caracterizado pela alegria (Hb 12.22-23)
Não estão mais em foco as demonstrações aterrorizantes do Sinai. Deus mudou a forma. A nova aliança se caracteriza por uma assembleia festiva, alegre e encorajadora. O contexto sugere paz e harmonia. Os adoradores são estimulados a uma adoração verdadeira e espontânea. O texto sugere um ambiente de profunda comunhão e grande gozo, resultantes dessa exuberante festa espiritual.
c) Protagonizado por um Deus acessível (Hb 12.24)
É oportuno lembrar, aqui, uma das mais preciosas citações de Jesus: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Jesus é o Deus Filho, o Mediador da nova aliança, Aquele que bondosamente chama as pessoas para O seguirem, andarem com Ele e aprenderem Dele. Em Cristo, um “novo e vivo caminho” nos aproxima de Deus (Hb 10.19-22). O acesso a Deus agora é possível porque o sangue da nova aliança justifica; enquanto, na antiga aliança, o sangue de Abel acusava.
3) Atenção à voz de Deus (Hb 12.25-29)
A última seção deste capítulo começa com uma advertência solene: “Tende cuidado, não recuseis ao que fala” (Hb 12.25). Não sejam tais como aqueles que “suplicaram que não se lhes falasse mais” (Hb 12.19). O sangue de Cristo é, agora, a voz de Deus. Nossa responsabilidade é infinitamente maior. Uma vez que somos parte da nova aliança, firmada no evangelho da graça, que fala de um reino eterno e inabalável, espiritual e não terreno, devemos ter ouvidos atentos Àquele que fala coisas superiores.
a) Deus ainda é o mesmo (Hb 12.25)
Aquele “que dos céus nos adverte” e Aquele que “os advertia sobre a terra” (Hb 12.25) são os mesmos. A substituição dos estrondos pela sublimidade da graça não indica que Deus Se tornou condescendente com o pecado. Na verdade, a advertência celestial exige maior responsabilidade do homem. A severidade de Deus transcende o tempo e a geografia do universo. Se os israelitas não escaparam devido à sua incredulidade, muito menos nós escaparemos, especialmente porque temos a plena revelação de Cristo e Sua obra mediadora. Deus muda o método, jamais Seus princípios. Há, neste verso 25, uma síntese da exortação já comunicada em Hebreus 2.1-4.
b) A inabalável aliança exige santidade (Hb.26-27)
Os fenômenos físicos que acompanhavam a antiga aliança caracterizavam coisas que podem ser abaladas, coisas ligadas ao que é terreno, transitório e passageiro, que, segundo o autor desta carta, serão “ainda uma vez por todas” abaladas. Está em foco aqui um acontecimento vindouro, acompanhado de estrondos sobrenaturais (cf. 2Pe 3.10-13). Com isso em mente, ele transmite a ideia da superioridade da nova aliança, definitiva e inabalável, “autenticada” pelo “sangue da aspersão”, o sangue do Cristo vivo que “ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre” (Hb 13.8).
O autor retoma o tema da santificação quando fala da “remoção dessas coisas abaladas”: um aviso e um apelo à espiritualidade. A santificação deve ser o alvo e o estilo de vida dos cristãos (cf. Hb 12.14), que os mantém ligados no que é próprio do mundo perene (2Co 4.18; 1Pe 1.13-16).
c) No reino espiritual, o essencial é gratidão e serviço (Hb 12.28-29)
Na carta aos Efésios, Paulo declara que Deus nos chamou “para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.6), ou seja, declara a essencialidade do serviço cristão: verdadeiros adoradores. Desta forma, o autor da carta aos Hebreus destaca aspectos desse serviço de adoração:
– Agradável
Pois deve ser recebido, aceito diante de Deus;
– Reverente
Pois devemos reconhecer nossa indignidade diante da majestade e da santidade de Deus;
– Com santo temor
Pois o caráter reto e justo de Deus jamais inocenta o culpado (Na 1.3). “Nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.29).
Conclusão
A santificação está no centro da vontade de Deus em todos os tempos, para todo aquele que crê (1Ts 4.3,7). É a própria transformação espiritual e moral que ocorre no salvo que o credencia como adorador e servo. E, conforme escreveu o apóstolo Paulo, é também objeto de promessa, e a fidelidade de Deus há de completá-la (Fp 1.6). Sem se deixar vencer pelo afrouxamento ou cansaço espirituais, sem fazer concessões ao pecado e com disposição para aceitar e entender a disciplina proposta por Deus, o cristão poderá alcançar a paz e a santificação, que o capacita a experimentar a própria natureza de Deus (cf. Hb 12.14).
>> Autor do Estudo: Pr. Evaldo Bueno Rodrigues
>> Publicado originalmente pela Editora Cristã Evangélica, usado com permissão.
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