segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Deus ou deuses


Em que criam os primeiros seres humanos que povoaram o mundo: na existência de um único Deus ou em vários deuses? Para este tema têm-se voltado centenas de filósofos, etnólogos e historiadores. Ao longo dos séculos, muitos estudos têm sido feitos para se saber que ideia influenciou primeiro as populações primitivas: Se o monoteísmo (a crença na existência de um único Deus), ou se o politeísmo (a crença na existência de vários deuses).

O curioso é que, estando incluído entre os pensadores que têm debatido sobre este assunto, o filósofo francês Voltaire, apesar de sempre ter-se mostrado propenso a apegar-se a ideias anarquistas e antibíblicas, acreditava plenamente que a forma originária de crença do ser humano fora a da existência de um único Deus. "O politeísmo surgiu muito tempo depois, devido à fraqueza humana", concluiu o polêmico escritor.

A posição da maior parte dos etnólogos modernos (homens que se dedicam ao estudo das práticas religiosas e dos costumes dos povos primitivos) diante da questão, é a mesma adotada por Voltaire. Um exame da Bíblia neste sentido nos mostra também que o que houve na humanidade foi uma degradação: da crença na existência de um único Deus, os homens passaram pouco a pouco a cultuar e a crer na existência de vários deuses.

Por esse motivo, a luta antipoliteísta e anti-idolátrica marca de ponta a ponta as páginas das Sagradas Escrituras, e o posicionamento dos que nela deixaram os seus registros inspirados é semelhante ao conteúdo desta afirmação do profeta Jeremias:

"Mas o Senhor Deus é o verdadeiro Deus; ele mesmo é o Deus vivo, o Rei eterno. Do seu furor treme a terra, e as nações não podem suportar a sua indignação. Assim lhes direis: esses deuses, que não fizeram os céus e a terra, desaparecerão da terra e de debaixo deste céu" (Jeremias 10:10,11).

DESVIOS DA HUMANIDADE
Em todos os locais onde a cultura humana floresceu, nos grandes ou pequenos redutos onde foram encontrados monumentos religiosos ou qualquer outro vestígio de práticas religiosas, tem-se verificado que houve uma decadência no primitivo sentimento de adoração a Deus. A princípio o homem considerava a Natureza, e tudo o que nela existe de mais belo, como sinais da existência de um Deus único, individual, invisível e superior ao mundo. Tudo anunciava a existência de Deus, mas não era visto como o próprio Deus, concebido como ser total e essencialmente único. Portanto, a crença na existência de vários deuses, surgida tempos depois, foi uma degeneração, uma consequência da observação supersticiosa da Natureza, e do temor diante dos diversos fenômenos e seres nela existentes. Mas foi sobretudo resultado da inegável atuação das hostes malignas de Satanás.

Portanto, várias circunstâncias contribuíram para desviar a humanidade, através de séculos e milênios, da crença na existência do verdadeiro Deus. À medida em que a crença em muitos deuses ia se alastrando entre os povos, os seres humanos passaram a adorar os ídolos da casa, da tribo, da cidade, da selva, do reino, da nação, do império. Passou-se a adorar e a servir a criatura em lugar do Criador, caindo-se na abominável confusão denunciada muito tempo depois pelo apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos: "Mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram a criatura em lugar do Criador, que é bendito eternamente" (Romanos 1.25).

DEUSES POR TODA PARTE
Assim, a Terra passou a ser adorada pelas religiões siro-fenícias, como mãe fecunda de todas as outras divindades; o sol passou a ser cultuado pelos egípcios, e, tempos depois, pelos japoneses; o céu tornou-se o deus dos chineses; os persas adoravam o fogo, vendo-o como uma gigantesca ave do céu com asas de ouro, a travar combates tremendos com os "espíritos da noite". Inventando deuses e mais deuses, a humanidade foi-se distanciando cada vez mais da crença original de um único Deus soberano. A água, o vento, a chuva fertilizadora, o sol, o orvalho, o trovão, o relâmpago, as nuvens, os animais — tudo, tudo passou a ser divinizado. Conforme comentou o pregador francês Bossuet, "tudo era Deus, menos o próprio Deus".

Mas que Deus é este que o espírito humano há tantos séculos sabe de sua existência, mas não consegue compreender? Por acaso ele é o mesmo que os deuses informes dos selvagens, o Phtah dos egípcios, o Bel dos assírios, o Odin dos escandinavos, o Wotan dos tedescos, o Teutates dos celtas, o Zyus dos brâmanes, o Zeus dos gregos, o Júpiter dos romanos, o Alá dos maometanos? Não! "Porque o Senhor é o grande Deus, e grande Rei acima de todos os deuses", declarou o salmista (Salmo 95.3). E o profeta Isaías acrescentou: "Assim diz o Senhor, Rei de Israel, e seu Redentor, o Senhor dos Exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus" (Isaías 44.6). "Eu creio no Deus que criou os homens, e não nos deuses que os homens criaram". (Alexis Karr).

ISRAEL E A CRENÇA EM UM ÚNICO DEUS
Diante do aparecimento e da propagação de tantos deuses no mundo antigo, o puro monoteísmo de Israel, que se apresenta como um acontecimento absoluto e único na história, superando qualquer explicação psicológica, cultural ou étnica, é verdadeiramente um milagre. Os estudiosos têm concluído, admirados, que o fato de a religião de Israel ter reclamado para si, contra todas as religiões politeístas e mais antigas que ela, a adoração de um único Deus, está completamente fora das leis que regulam a evolução histórico-cultural da humanidade; é um fato surpreendente e cientificamente inexplicável.

Sabe-se, através de vários documentos, que a raça semita de onde se originou o povo de Israel teve originariamente a noção da existência de uma "Potência suprema". Por outro lado, os documentos que nos chegaram provenientes dos antigos povos cananeus revelam que, sob a influência de outros povos que transitavam na Mesopotâmia, os semitas, com a única exceção do povo hebreu, degradaram-se moralmente e caíram no politeísmo. "Quem não reconhece a Deus por Senhor, terá que submeter-se a muitos senhores", diz um antigo provérbio.

Porém, apesar de a mentalidade desses povos, tanto semitas como de outras raças, entre os quais Israel peregrinava, ter sido totalmente politeísta, não há nenhum vestígio na Bíblia que mostre ter a influência dessas nações apagado por completo no coração dos israelitas a fé monoteísta, desviando-os totalmente da crença em um só Deus. Mesmo quando a nação caía sob a tentação dos cultos idólatras, a crença no Deus único e verdadeiro persistia na alma do povo, e era isso o que sempre possibilitava o arrependimento e o retorno de Israel aos caminhos do Senhor.

O DEUS DOS PATRIARCAS E DOS PROFETAS
Essa grandiosa solidão e exclusividade de sentimento religioso experimentado pelo povo hebreu, verdadeira luz nas trevas, não se manifestou como uma afirmação ou experiência passageira, nem como resultado de profundas meditações filosóficas da parte dos líderes do povo. Ela aconteceu tão-somente devido à grandiosa intervenção do Senhor, que graciosamente elegeu Israel, instruiu-o e revelou-se a ele através de homens chamados e inspirados pelo seu Santo Espírito: os patriarcas e os profetas. Foi através desses homens que Deus se manifestou plenamente no meio da nação israelita, e irradiou fulgores que, sem limites de espaço e de tempo, anunciaram a verdade e a salvação a todos os seres humanos, através de todas as gerações.

Portanto, por intermédio dos patriarcas e dos profetas, o povo hebreu foi alcançado pela revelação de um Deus que é o mais elevado, o mais sublime entre todos os deuses, o único e verdadeiro Deus. A Bíblia é a história dessa revelação. A glória de Israel é, portanto, a de haver sido o primeiro, entre todos os povos, a receber a verdadeira ideia de Deus. Foi o único povo que primeiramente conheceu e professou o monoteísmo puro, apesar da posterior e forte atração que os seus filhos tiveram para o politeísmo semítico. Todavia, no panorama religioso de todos os tempos, jamais existiu um monoteísmo tão severo e tão zeloso. Sua história, narrada na Bíblia, não é outra coisa senão a luta pela supremacia absoluta do único e verdadeiro Deus, superior aos reis vitoriosos, aos povos poderosos e aos seus deuses.

REVELAÇÃO DE DEUS NO MONTE HOREBE
Moisés havia levado o rebanho de ovelhas do seu sogro Jetro para o lado ocidental do deserto, até chegar aos pés do monte de Deus, o Horebe. Subitamente, o resplendor de uma sarça em chamas no alto do monte despertou a atenção do patriarca, e ele resolveu subir para ver de perto aquela maravilha — o fogo queimava, mas a sarça não se consumia! Ao aproximar-se, uma voz misteriosa e sublime elevou-se de dentro das chamas:

"Moisés, Moisés, não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa. Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó" (Êxodo 3.1-6).

Após declarar que vira o sofrimento do seu povo sob a opressão dos egípcios, o Senhor fez saber a Moisés que o encarregara de libertar a nação escolhida.

Temeroso, o genro de Jetro quis saber qual era o nome próprio de Deus, nome que lhe serviria para justificar a autoridade daquela missão. E o Senhor lhe respondeu: "EU SOU O QUE SOU... Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros".

Diante desta revelação, religião alguma alcança semelhante sublimidade! É difícil explicar o que a conquista dessa tão alta ideia da natureza de Deus representa para o povo hebreu, 13 séculos antes do aparecimento do Cristianismo.

Porém, haveria no povo de Israel algum mérito especial que tivesse determinado sua eleição por parte do Senhor? Não. Para eleger, Deus não depende das súplicas humanas, nem das qualidades morais que um homem ou um povo por acaso possua. Essa eleição depende tão-somente do seu amor e da sua fidelidade:

"O Senhor não se afeiçoou de vós, e vos escolheu por serdes mais numerosos do que todos os outros povos, pois éreis menos em número do que todos os povos. Mas porque o Senhor vos amava, e para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão forte, e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito" (Deuteronômio 7.7, 8).

Esse amor misterioso do Pai celestial é absolutamente livre: não está sujeito aos critérios humanos de julgamento.

Essa eleição é recíproca. Da mesma forma como Deus escolhe seus fiéis no meio da multidão de homens, assim também os eleitos devem escolher a Deus, excluindo totalmente os falsos deuses. Esta reciprocidade em que está encerrado todo o insondável mistério do amor divino e do regresso do pecador ao seio do Sumo Bem, é simbolizada e expressada como "pacto" ou "aliança": "Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência depois de ti em suas gerações, como aliança perpétua, para ser o teu Deus, e da tua descendência depois de ti" (Gênesis 17.7). Abraão reconheceu o Altíssimo, o Deus do Céu e da Criação, e só a ele dedicou o seu culto. E Deus honrou a fé e a integridade do seu servo.

NÃO NOS É LÍCITO REPRESENTAR A DEUS
Portanto, além de haver inundado a Natureza e a consciência coletiva e individual de todos os povos com as provas de sua existência, Deus elegeu um povo e revelou-se a ele de forma especial, para, através desse povo, abençoar todas as nações da Terra, estabelecendo assim um caminho de salvação que conduz a Cristo, o Salvador da humanidade, surgido em meio à confusão que os falsos deuses haviam causado.

"No evangelho de Jesus se consuma com perfeição a aspiração de tornar racional e de humanizar a ideia de Deus, que palpitava já desde os tempos mais remotos da tradição israelita, sobretudo nos profetas e nos salmos, e que enriquecera e engrandecera o sentimento do sagrado... Assim, chegou-se à forma insuperável da crença em Deus Pai, tal como existe no Cristianismo, com Jesus Cristo". (Rudolf Otto).

Além de combater o politeísmo (a ideia da existência de outros deuses), a Bíblia também combate a idolatria (culto prestado a ídolos, geralmente representados por imagens de escultura dos falsos deuses ou do verdadeiro Deus): "Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem a elas servirás; pois eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso..." (Êxodo 20.4, 5). Porém, não podendo vê-lo pessoalmente, e sentindo-se irresistivelmente atraído pela curiosidade de saber "como ele é", o ser humano sempre carregou dentro de si um imenso desejo de representar a Deus através de figuras e símbolos.

A Bíblia combate esse desejo idólatra, por ele ser a negação da unidade e da transcendente invisibilidade de Deus. Além disso, a idolatria é uma tentativa de rebaixar o Criador à condição de uma obra feita por homens. O Ser Eterno e Supremo, origem da Vida, ficaria reduzido a um pedaço de madeira ou pedra inanimados, simples produto fabricado pelas mãos de um artífice. E isto sempre foi um ultraje, uma abominação à sua santa, digna e perfeitíssima Pessoa.

O culto das imagens de Deus, entre o povo de Israel, sempre constituiu-se em gravíssima transgressão da "aliança": "Guardai-vos de vos esquecer da aliança que o Senhor vosso Deus fez convosco, fazendo alguma imagem de escultura, figura de alguma coisa que o Senhor vosso Deus vos proibiu" (Deuteronômio 4.23). Só em Jesus Cristo a humanidade encontra a única representação verdadeira e completa de Deus. Ele está revelado nas páginas da Bíblia, e se revela dentro de nós. Em Jesus, temos Deus humanamente revelado, pois ele "é o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa" (Hebreus 1.3). E foi o próprio Jesus quem disse que "Deus é espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade" (João 4.24).

UM SÓ DEUS, E NÃO VÁRIOS DEUSES
"Temos deuses demais para serem verdadeiros", disse certa vez um antigo politeísta, desconfiado e incrédulo diante da adoração de tantos deuses. Ora, as mitologias antigas, as histórias lendárias dos primeiros povos mostravam o mundo sacudido e visitado por milhares de deuses, em sua maioria inimigos dos homens e inimigos uns dos outros, que se destronavam, que se digladiavam, que se despedaçavam. Porém, à medida em que as pessoas foram reaprendendo a observar o mundo, notaram que a Natureza tem as suas leis, e essas leis são fixas. O Universo pareceu-lhes então uma obra-prima, criado e governado por um ser dotado de infinita sabedoria. A Bíblia foi a principal responsável por essa concepção da soberana posição de Deus diante de todas as coisas. A mensagem que ela trouxe aos homens (inicialmente aos judeus, e depois ao mundo todo) abalou as bases da crença politeísta.

Portanto, as fictícias narrações de guerras ocorridas entre os deuses mitológicos passaram a impressionar cada vez menos o ser humano. A atuação e a existência desses deuses seriam confirmadas se o sol interrompesse o seu deslizar cotidiano no céu, se os astros se chocassem uns com os outros, se os rios corressem para as nascentes, se os mares e oceanos avançassem e cobrissem toda a Terra. Mas nada disso era visto.

Ora, por acaso não haveria motivos para se pensar que existe um só Deus, que estabeleceu leis fixas e as mantém? Sim, pois se existissem muitos deuses, todos os dias os homens contemplariam o resultado de suas vontades em discórdia, a confusão estaria estabelecida no mundo, e os fenômenos da Natureza seriam irregulares e descontrolados:

"Porque assim diz o Senhor que criou os céus, o único Deus, que formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a fez para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o Senhor e não há outro" (Isaías 45.18).

Portanto, além de ter-se revelado na consciência coletiva dos povos, na natureza e na consciência de cada indivíduo, Deus revelou-se na Bíblia, destronando os falsos deuses. Através das Sagradas Escrituras, a humanidade tem recebido o testemunho da existência do Deus único e verdadeiro, que é Rei, Pai e Criador dos céus e da Terra. Ele opera maravilhas entre os seres humanos, e detém em suas mãos o domínio do Universo. "Surgem e se vão novas formas, novas circunstâncias históricas e sociais, mas sempre e sempre, atrás e por debaixo delas todas, está a revelação de um Deus que não muda e que é eterno". (Allan Richardson).

Jefferson Magno Costa
http://jeffersonmagnocosta.blogspot.com

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