1. Vivemos na perspectiva de Deus quando sabemos que o evangelho é mais importante que a nossa liberdade
Paulo está preso, mas o evangelho está livre. O evangelho é mais importante que o obreiro. A divulgação do evangelho é mais importante que a vida do obreiro. Paulo foca sua atenção não em si, mas na proclamação do evangelho. Todo esse parágrafo gira em torno não de Paulo, de suas cadeias, de seus críticos, mas do evangelho. O evangelho é o oxigênio que Paulo respira. Não importam as circunstâncias, desde que o evangelho seja anunciado. Não importa se o obreiro vive ou morre, o que importa é que Cristo seja engrandecido seja na sua vida seja na sua morte (1.20).
2. Vivemos na perspectiva de Deus quando sabemos que o evangelho é o maior presente de Deus para a humanidade
Paulo define o evangelho de três formas:
Em primeiro lugar, o evangelho é a boa nova para a humanidade (1.12). Neste mundo onde reina violência, corrupção, desespero, confusão filosófica e multiplicidade de conceitos religiosos, o evangelho é a boa nova de Deus, do seu amor e propósito eterno de salvar o pecador por meio de Jesus Cristo.
Em segundo lugar, o evangelho é a proclamação da Palavra de Deus (1.14). A Palavra de Deus é inspirada, inerrante, infalível e suficiente. Não há erros nela, pois seu autor não pode falhar. Não há necessidade de acrescentar mais nada a ela, pois ela é suficiente. Uma mulher konkomba, em Gana, na África, depois de passar uma semana aprendendo a Palavra de Deus na Igreja de Coni, retornou à sua aldeia. Depois de três dias de viagem a pé, esqueceu-se de um versículo aprendido. Ela retornou para decorar novamente a porção esquecida. Quando o missionário Ronaldo de Almeida Lidório falou para ela que não precisava ter feito aquele sacrifício de viajar três dias para decorar apenas um versículo, ela respondeu: “A Palavra de Deus é muito importante para se perder pelo caminho”.
Em terceiro lugar, o evangelho é a revelação da Pessoa de Jesus Cristo (1.18). O evangelho é a boa nova acerca de uma Pessoa. Jesus é o conteúdo do evangelho. O âmago do evangelho é que Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu único Filho para morrer por pecadores, a fim de que eles tenham a vida eterna.
I. OLHANDO PARA O PASSADO COM DISCERNIMENTO (1.12)
1. Paulo não se concentra no seu sofrimento com autopiedade
Paulo estava preso, algemado, impedido de viajar, de visitar as igrejas e de abrir novos campos, mas ao escrever para a igreja de Filipos não enfatiza seus sofrimentos, mas o progresso do evangelho. A Palavra é mais importante que o obreiro. O vaso é de barro, mas o conteúdo que tem no vaso é precioso. O que importa não é o bem-estar do obreiro, mas o avanço do evangelho.
2. Paulo faz uma leitura do passado pela ótica da soberania de Deus
Paulo havia passado por muitas lutas até chegar a Roma. Ele foi perseguido, açoitado e preso, mas em momento algum perdeu de vista a direção soberana de Deus em todos esses acontecimentos.
Em primeiro lugar, ele não considerou seus sofrimentos como fruto do acaso. Ele não acreditava em casualidade. Paulo não acreditava em determinismo. Ele sabia que a mão soberana da providência guiava o seu destino e que seus sofrimentos estavam incluídos nos planos do Eterno para o cumprimento de propósitos mais elevados.
Em segundo lugar, ele não considerou seus sofrimentos meramente como perseguição dos homens. Ele foi certamente perseguido, odiado, caluniado, açoitado, enclausurado, mas jamais viu seus adversários como agentes autônomos nessa empreitada. Ele sempre olhou para os acontecimentos na perspectiva da soberania e do propósito de Deus.
Em terceiro lugar, ele não considerou seus sofrimentos como expressão da fúria de Satanás. Embora Satanás tenha intentado contra ele, mas jamais Paulo considerou-o como o agente de seus sofrimentos. Quem estava no comando de sua agenda não era o inimigo, mas Deus. Quem determinava o rumo dos acontecimentos na agenda missionária da igreja era Deus. Ele via os acontecimentos como um plano sábio de Deus para o cumprimento de um propósito glorioso, qual seja o progresso do evangelho.
3. Paulo olha para o passado e vê um propósito divino em tudo que lhe aconteceu
O que aconteceu com Paulo, que contribuiu para o progresso do evangelho? Quais foram os fatos que estão incluídos nesses acontecimentos? Podemos fazer uma viagem rumo ao passado na trajetória desse bandeirante do cristianismo e observar alguns pontos:
Em primeiro lugar, ele foi perseguido em Damasco (At 9.23-25). Depois de convertido na capital de Síria, Paulo anunciou Jesus naquela cidade (At 9.20,21). Dali foi para a região da Arábia, onde ficou cerca de três anos, fazendo uma reciclagem em sua teologia (Gl 1.15-17). Voltou a Damasco (Gl 1.17) e agora, não apenas prega, mas demonstra meticulosamente que Jesus é o Cristo (At 9.22). Então, em vez de ser acolhido, é perseguido. Precisa fugir da cidade para salvar sua vida (At 9.23-25). Aquela perseguição deve ter sido um duro golpe para Paulo.
Em segundo lugar, ele foi rejeitado em Jerusalém (At 9.26-28). Quando chegou em Jerusalém, na igreja-mãe, os apóstolos não confiaram nele. Paulo, então, sentiu a dor de ser rejeitado. A aceitação é uma necessidade básica da vida humana. Ninguém pode viver saudavelmente sem amor. Não somos uma ilha. Foi então que apareceu Barnabé, o filho da consolação para abraçá-lo, valorizá-lo e integrá-lo na vida da igreja (At 9.27).
Em terceiro lugar, ele foi dispensado do campo pelo próprio Deus (At 22.17-21). No apogeu da sua empolgação, no auge do seu trabalho, Deus mesmo aparece para ele em sonhos e o dispensa da obra. Deus o manda arrumar as malas e sair de Jerusalém. Paulo não entende e discute com Deus. Para ele, Deus estava cometendo um erro estratégico, tirando-o de cena. Deus, porém, não muda; é Paulo quem precisa mudar e mudar-se. E diz o texto sagrado, em Atos 9.31, que quando Paulo arrumou as malas e foi embora, a igreja passou a ter paz e a crescer. Esse foi um doloroso golpe no orgulho desse homem.
Em quarto lugar, ele foi esquecido em Tarso (At 9.30). Paulo ficou cerca de dez anos em sua cidade sem nenhuma projeção, fora dos holofotes, atrás das cortinas, em completo anonimato. Deus o esvazia de todas as suas pretensões. Golpeia seu orgulho e põe o machado na raiz de seus projetos mais acalentados.
Em quinto lugar, ele foi colocado na sombra de outro líder (At 13.2). Convocado por Barnabé para estar em Antioquia da Síria reinicia o seu ministério. Depois de um ano de intenso trabalho naquela igreja o Espírito Santo disse: “… separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13.2). Note que os escolhidos não são Saulo e Barnabé, mas Barnabé e Saulo. Você já foi segundo alguma vez? Já ficou na sombra de outra pessoa? Já foi reserva de algum titular? Antes de ser um grande líder, Paulo precisou aprender a ser submisso. Quem nunca foi liderada dificilmente saberá como liderar.
Em sexto lugar, ele foi apedrejado e arrastado como morto na cidade de Listra (At 14.19). Paulo estava fazendo a obra de Deus, no tempo de Deus, dentro da agenda de Deus e mesmo assim, foi apedrejado. Mas, ele não ficou amargurado nem se decepcionou com o ministério. Ao contrário, prosseguiu fazendo a obra com alegria.
Em sétimo lugar, ele foi barrado por Deus no seu projeto (At 16.6-10). Paulo queria ir para a Ásia, mas Deus o impediu. Ele tinha uma agenda e Deus tinha outra. Paulo teve que abrir mão da sua vontade para abraçar a vontade de Deus. Importa ao obreiro obedecer, sempre!
Em oitavo lugar, ele foi preso e açoitado com varas em Filipos (At 16.19-26). Mesmo estando no centro da vontade de Deus, Paulo foi preso, açoitado com varas e jogado no cárcere interior de uma prisão. Em vez de ficar revoltado ou amargurado com as circunstâncias, ele orou e cantou à meia-noite e Deus abriu as portas da prisão e o coração do carcereiro.
Em nono lugar, ele foi escorraçado de Tessalônica e Beréia (At 17.5,13). Por onde ele passa, ele deixa o perfume do evangelho, mas os espinhos pontiagudos da perseguição o ferem. Ele foi enxotado dessas duas cidades em vez de ser recebido com honras.
Em décimo lugar, ele foi chamado de tagarela em Atenas e de impostor em Corinto (At 17.17.18; 18.12). Na capital da cultura, das artes e da filosofia, Paulo é chamado de tagarela e na agitada cidade de Corinto, onde trabalhou dezoito meses, Paulo foi considerado um impostor. As circunstâncias lhe parecem absolutamente desfavoráveis. Paulo parece um homem de aço, suporta açoites, cadeias, frio, desertos, fome, perigos, naufrágios, ameaças, sem perder a alegria (2Co 11.23-28; Gl 6.17).
Em décimo primeiro lugar, ele é preso em Jerusalém e acusado em Cesaréia (At 21.27,28; 23.31.22.1-9). Paulo estava levando ofertas de amor para os crentes pobres de Jerusalém quando foi preso no templo. Os judeus armaram ciladas para matá-lo e Paulo, então, foi levado para Cesaréia, onde durante dois anos foi acusado injustamente pelos judeus. Usando seu direito de cidadão romano, Paulo apelou para ser julgado em Roma (At 25.11,12). Aliás, não só Paulo queria ir a Roma (Rm 15.30-33), mas Deus também o queria em Roma (At 23.11).
Em décimo segundo lugar, ele enfrenta um naufrágio na viagem para Roma (At 27.9-28.1-10). Já que Deus o queria em Roma era de se esperar que a viagem fosse tranqüila. Mas, quando Paulo embarcou para Roma enfrentou uma terrível tempestade. Durante quatorze dias o navio foi açoitado com rigor desmesurado e todos os duzentos e setenta e seis prisioneiros perderam a esperança de salvamento, exceto Paulo (At 27.20-26). O navio pereceu, mas as pessoas foram salvas.
Em décimo terceiro lugar, ele foi mordido por uma víbora em Malta (At 28.1-6). A única pessoa atacada por uma víbora peçonhenta foi Paulo. Os malteses, apressadamente, fizeram um juízo errado dele, chamando-o de assassino. Parecia que tudo dava errado para Paulo. Mas, em vez de cair morto pelo veneno da víbora, ele curou os enfermos da ilha.
Em décimo quarto lugar, ele chegou preso em Roma (At 28.16). Paulo chegou em Roma não como missionário, mas como prisioneiro, sem pompa, sem comissão de recepção, sem holofotes. Mas, longe de ficar frustrado, ele diz para à igreja de Filipos que todas essas coisas contribuíram para o progresso do evangelho. Ele não se considera prisioneiro de César, mas de Cristo (Ef 4.1).
4. Paulo olha para o seu sofrimento como a abertura de novos caminhos para o evangelho (1.12)
Paulo diz que as coisas que lhe aconteceram em vez de desmotivá-lo, de decepcioná-lo ou atrapalhar o projeto missionário contribuíram para o progresso do evangelho.
William Barclay diz que a palavra que Paulo usa para o “progresso do evangelho” é muito expressiva, prokope. Este termo se usa particularmente para designar o avanço de um exército ou uma expedição. O substantivo provém do verbo prokoptein que significa “derrubar de antemão” e se aplica ao corte de árvores e a toda remoção de impedimentos que obstaculizavam a marcha do exército.
Ralph Martin diz que este termo grego prokope significa mais especificamente, “avanço a despeito de obstruções e perigos que bloqueiam o caminho do viandante”. Warren Wiersbe, por sua vez, entende que o termo prokope significa “avanço pioneiro”, ou seja, um termo militar grego que se referia aos engenheiros do exército que avançavam à frente das tropas para abrir caminho em novos territórios. Assim, a prisão de Paulo longe de fechar as portas, ela as abre; longe de ser uma barreira, desobstrui o caminho a novos campos de trabalho que jamais seriam alcançados de outra forma.
Charles Haddon Spurgeon é o mais conhecido pregador do século XIX. Poucos, porém, conhecem a história de sua esposa, Susannah. Quando ainda eram recém-casados, a Sra Spurgeon desenvolveu uma enfermidade crônica e, ao que tudo indicava, seu único ministério seria o de encorajar o marido e orar por seu trabalho. Mas Deus colocou em seu coração o desejo de compartilhar os livros de seu marido com pastores que não tinham recursos para comprar esse material. Em pouco tempo, tal desejo levou à criação do Fundo para Livros. Essa obra de fé equipou milhares de pastores com instrumentos importantes para seu trabalho. Mesmo sem poder sair de casa, a Sra Spurgeon supervisionou pessoalmente todo esse ministério pioneiro.
II. OLHANDO PARA O PRESENTE COM ALEGRIA (1.13-18)
1. Paulo viu sua prisão como a abertura de novas frentes de evangelização (1.13)
Warren Wiersbe diz que o mesmo Deus que usou o bordão de Moisés, os jarros de Gideão e a funda de Davi, usou as cadeias de Paulo. Os romanos sequer suspeitavam que as correntes que colocaram nos punhos do apóstolo o libertariam ao invés de prendê-lo! Em lugar de queixar-se da suas cadeias, Paulo consagrou-as a Deus e pediu que as usasse para o avanço pioneiro do evangelho.
Deus é o senhor da obra e também dos obreiros. Ele abre portas para a pregação e usa os acontecimentos que atingem os obreiros como instrumentos para ampliar os horizontes da evangelização. Porque Paulo estava preso ele pode alcançar grupos que jamais teria alcançado em liberdade. Suas cadeias abriram portas para o evangelho. Os homens podem prender você, mas não o evangelho. Paulo não é um malfeitor social, nem um preso político, mas um embaixador em cadeias. Sua prisão é uma tribuna. Suas algemas são megafones de Deus.
Paulo não pensava no seu sofrimento, mas como seu sofrimento podia contribuir para o progresso do evangelho. A perseguição jamais obstruiu o evangelho nem jamais impediu o crescimento da igreja. A igreja sempre cresceu mais em tempos de perseguição do que em tempos de bonança. Quem semeia com lágrimas, com alegria recolhe os feixes. A igreja primitiva avançou com mais força na era dos mártires do que nos tempos áureos da sua riqueza. Os maiores avivamentos da igreja aconteceram em tempos de dor e perseguição. O avivamento coreano aconteceu nos anos mais dolorosos de perseguição e martírio. A igreja chinesa cresceu explosivamente nos anos mais dramáticos da perseguição de Mao. A prisão de Paulo abriu espaço para a evangelização em Roma.
A quem Paulo alcançou por causa de suas cadeias?
Em primeiro lugar, a guarda pretoriana (1.13). A guarda pretoriana era a guarda de elite do imperador. A palavra grega praitorion pode significar tanto um lugar como um grupo de pessoas. O termo usado por Paulo se aplica à guarda do pretório. Essa era a guarda imperial de Roma. Bruce B. Barton diz que a guarda pretoriana era a tropa de elite instalada no palácio do imperador. Havia sido instituída por Augusto e compreendia um corpo de dez mil soldados escolhidos. Augusto os havia mantido disperso por toda Roma e aldeias. Tibério a concentrou em Roma em um edifício especial com um campo fortificado. Vitélio aumentou o número dessa guarda para dezesseis mil. Ao final de dezesseis anos de serviço, esses soldados recebiam a cidadania romana. Essa guarda passou a ser quase o corpo de guarda privado do imperador.
Dia e noite, durante dois anos, um soldado dessa guarda era preso a Paulo por uma algema. Como cada soldado cumpria um turno de seis horas, a prisão de Paulo abriu o caminho à pregação do evangelho no regimento mais seleto do exército romano, a guarda imperial. Paulo no mínimo podia pregar para quatro homens todos os dias. Toda a guarda pretoriana sabia a razão pela qual Paulo estava preso e muitos deles foram alcançados pelo evangelho (4.22). Assim, as cadeias de Paulo removeram as barreiras e deram a ele a oportunidade de evangelizar os mais altos escalões do exército romano.
Werner de Boor abre uma clareira para uma nova compreensão sobre o pretório romano. Segundo ele, depois de longa pendência de dois anos de prisão domiciliar (At 28.30), o processo de Paulo passou a um estágio crítico (2Tm 4.16). Paulo havia sido trazido ao quartel para os interrogatórios e as tramitações decisivas. Como isso interferia em sua realidade pessoal! Moradia própria alugada ou uma cela certamente não muito amistosa em um quartel – que diferença! Além disso, Paulo era uma pessoa idosa! Corte de moradia própria, transferência para o quartel, detenção mais rigorosa – isso não representava um impedimento total para seu trabalho evangelizador? Ao contrário, isso abriu caminhos para o evangelho em Roma. A “porta da Palavra” não é aberta por nós, mas por Deus (Cl 4.3). Por isso Paulo declara que “suas algemas se tornaram conhecidas em Cristo em todo o pretório”. O que parecia ser um estorvo tornou-se um canal, para o progresso do evangelho.
Em segundo lugar, todos os demais membros do palácio (1.13). Além dos soldados, Paulo também evangelizou as demais pessoas que viviam no pretório. Por causa de suas cadeias Paulo esteve em contato com outro grupo de pessoas: os oficiais do tribunal de César. O apóstolo encontrava-se em Roma como prisioneiro do Estado, e seu caso era importante. Além das pessoas que viviam no pretório, Paulo recebeu na prisão domiciliar muitas pessoas e a todas elas ele influenciou e a muitas delas ganhou para Jesus por meio do evangelho (At 28.23-31).
2. Paulo viveu de tal modo a estimular outros irmãos a falar com mais desassombro a Palavra de Deus (1.14,16)
Quando Paulo entrou em Roma não era um prisioneiro entrando, era o evangelho entrando em Roma. O instrumento da mensagem estava algemado, mas o conteúdo da mensagem estava livre. O fato de Paulo estar em cadeias levou a maioria dos crentes de Roma a um despertamento espiritual e a um engajamento no trabalho da pregação. Os crentes ficaram mais entusiasmados. Os obreiros se mexeram.
Ralph Martin diz que os crentes de Roma descobriram uma nova fonte de energia nas algemas de Paulo. Não somente estava o evangelho sendo proclamado por Paulo em seus contatos na prisão, mas seus esforços estavam sendo multiplicados fora da prisão. As cadeias de Paulo foram um estímulo para a igreja de Roma. Destacamos aqui, quatro pontos importantes:
Em primeiro lugar, o alcance do estímulo (1.14). Este estímulo atingiu a maioria dos crentes, mas nem todos. A igreja de Roma estava dividida. A divisão não era doutrinária, mas motivacional. É muito raro você contar com unanimidade na igreja quando se trata da fazer a obra de Deus. É importante ressaltar que não são apenas os líderes (1.1) que estão engajados no testemunho do evangelho, mas os crentes. Todos são luzeiros a brilhar (2.15). Esse conceito contemporâneo de que só os obreiros devem anunciar a Palavra de Deus é uma terrível distorção da doutrina do sacerdócio universal dos crentes.
Em segundo lugar, a fonte do estímulo (1.14). Aqueles irmãos da igreja de Roma estavam sendo estimulados não por Paulo, mas estimulados “no Senhor” pelas algemas de Paulo. Só o Senhor Jesus pode motivar pessoas à obra da evangelização.
Em terceiro lugar, a razão do estímulo (1.15,16). Enquanto alguns crentes estavam pregando o evangelho por inveja e porfia, outros o faziam de “boa vontade e por amor”. O verbo “pregar” keryssein, significa fazer a obra de um arauto, isto é, transmitir fiel e claramente o que alguém, uma autoridade superior tem ordenado proclamar.
Em quarto lugar, o resultado do estímulo (1.14). O resultado é que a maioria dos irmãos da igreja de Roma “ousam falar com mais desassombro a palavra de Deus”. O que realmente eles falam é a palavra de Deus (1.14), e isso revela que a mensagem não vem deles mesmos, mas é a verdade de Deus. A substância da mensagem que eles pregavam é Cristo (1.15,17,18).
3. Paulo não azedou o coração por causa da competição de seus críticos (1.15,17,18)
Paulo faz uma transição de suas “cadeias” (1.12-14), para seus “críticos” (1.15-18). Paulo precisa comentar, tristemente, que nem todos estão motivados pelas melhores intenções. Paulo não condena a substância da pregação de seus críticos. A triste observação do apóstolo refere-se aos motivos por que pregam a Cristo. Eles têm uma doutrina certa e uma motivação errada. Há três coisas aqui que precisam ser destacadas:
Em primeiro lugar, alguns crentes pregam o evangelho com a motivação errada (1.15). Uns pregam o evangelho por amor ao evangelho, outros por amor a si mesmos. J. A. Motyer diz que o fato de Paulo não dar nome a esses críticos revela sua grande graça e sabedoria. Ele não quer tornar esse tema um assunto de maledicência nem desviar a atenção para assuntos laterias. Alguns irmãos, ao verem Paulo preso, se esforçaram para pregar o evangelho com cinco motivações erradas:
Primeiro, inveja. No grego temos o vocábulo phthonos, que significa “ciúmes”, “inveja”. A inveja e a contenda andam juntas, da mesma forma que o amor e a unidade são inseparáveis, diz Warren Wiersbe. A inveja se intromete entre pregadores do evangelho. Com quanta profundidade ela está arraigada em nosso coração, mais profundamente do que muitos pecados rudes. Nem mesmo uma conversão autêntica simplesmente arranca a inveja. Possivelmente esses críticos de Paulo fossem pessoas que antes detinham posição de destaque na vida da igreja de Roma e cuja palavra era alvo de atenção especial. Com a chegada de Paulo em Roma sentiram-se relegados a um segundo plano e privados de sua importância anterior. Então surgiu a inveja.
Segundo, porfia. É a tradução de eris, palavra grega que significa “contenda, discórdia, dissensão”. Essa foi a palavra que Paulo usou para descrever as facções existentes na igreja de Corinto, e que provocaram traumáticas divisões (1Co 3.3). Da inveja brota o prazer malicioso. No fundo tais pessoas se alegraram pelo fato de Paulo ter sido neutralizado pela transferência para o quartel. Eles pensam que nessa situação Paulo já não os estorva, e assim, já podem recuperar sua posição, diz Werner de Boor. Essa palavra eris também traz a idéia de competição para receber o apoio de outros. Assim, em vez de perguntarem: “Você já aceitou a Cristo?”, perguntavam: “De que lado você está, do nosso ou do de Paulo?”
Terceiro, discórdia. No original grego é eritheia, que significa “disputa”, “ambição egoísta”, com explosões de egoísmo. Essas pessoas pregavam por interesses pessoais. Pregavam para aumentar sua própria influência e prestígio. Eles pregavam para engrandecer a si mesmos. Essas pessoas estão trabalhando para terem mais influência sobre a igreja. A glória do nome delas e não a glória do nome de Cristo é o que buscavam com mais fervor.
Quarto, falta de sinceridade. No grego temos a forma negativa de agnos, dando a entender “impuramente”, “insinceramente”. Aquelas pessoas faziam a coisa mais sublime e mais santa do mundo, pregar o evangelho, com as intenções mais obscuras e nebulosas, a promoção de si mesmas. O culto à personalidade é um pecado que ofende a Deus. Toda a glória dada ao homem é glória vazia (2.3,4).
Quinto, suscitar tribulação em Paulo. No grego é thlipsis, que significa “pressão”, fricção”, derivado da forma verbal que significa “pressionar”. Por estarem doentes espiritualmente, pensavam que Paulo também era como eles. Pensavam que estava disputando primazia. Olhavam para Paulo como um competidor e um rival. Trabalhavam apenas para apresentar um relatório com maiores resultados. Esses pregadores estavam mais interessados em sua reputação do que em sua mensagem, diz Bruce B. Barton. Ficavam felizes quando podiam fazer mais dos que os outros. As limitações dos outros lhes davam um prazer mórbido. As cadeias de Paulo eram a alegria deles.
Em segundo lugar, estranhamente essas pessoas pregam a mensagem certa (1.17). Essas pessoas estavam fazendo a coisa certa da maneira errada. Elas não estavam pregando heresias, mas o evangelho. O estranho é que os críticos de Paulo não deturparam nem esvaziaram a mensagem do evangelho. Paulo jamais teria se alegrado se esses críticos estivessem pregando alguma heresia (Gl 1.6-9). É somente por ser verdadeiro o evangelho que estas pessoas anunciam é que Paulo consegue desconsiderar a motivação insincera.
Em terceiro lugar, a reação de Paulo aos opositores (1.18). Paulo está indiferente a esses ataques contra si próprio, como se fora um homem sem reputação. Sua única preocupação é a pregação de Cristo; este fato enche-o de alegria. Paulo não está alegre com os críticos egoístas, mas com o fato de que pregavam a Cristo! Ele não se importava se alguns eram a favor dele e outros contra. Para ele, o mais importante era a pregação do evangelho de Jesus Cristo.
Paulo não está construindo um reino pessoal. Ele não está lutando para a exaltação do seu nome. O que lhe interessa é a divulgação do evangelho. Por isso, se alegra porque esses pregadores egoístas estão com a motivação errada, mas estão pregando o evangelho. O foco de Paulo não está nele mesmo, mas em Cristo. Seu foco está no conteúdo do evangelho e não na motivação dos pregadores. Sua atenção não está no que as pessoas lhe fazem, mas em como o evangelho avança.
William Barclay diz que Paulo não alimentava ciúmes ou ressentimentos pessoais. Se Jesus Cristo era pregado, não lhe importava quem iria receber o crédito, a honra e o prestígio. Com muita freqüência nós nos ressentimos porque outro ganha uma distinção que nós não temos recebido. Com muita freqüência nós olhamos para o outro como inimigo porque tem expressado alguma crítica sobre nós ou nossos métodos. Com freqüência pensamos que alguém não serve porque não faz as coisas do nosso modo.
4. Paulo em vez de defender a si mesmo Paulo, defendeu o evangelho (1.16)
Paulo foi um vigoroso apologeta. Ele não só pregou a verdade, mas denunciou e desmascarou a mentira. Ele não só anunciou o evangelho, mas desbaratou as heresias. Ele não só ergueu a bandeira de Cristo, mas combateu com tenacidade toda sorte de falsos ensinos que tentavam perverter o cristianismo. Paulo enfrentou os judaízes legalistas, os místicos gnósticos e os ascetas (Cl 2.8-23). Hoje, muitos falsos mestres se levantam disseminando sua heresia: o liberalismo e o misticismo pragmático são heresias que ainda atacam fortemente a igreja contemporânea. Velhas heresias como novas caras têm surgido como o Teísmo aberto. Livros insolentes atacam o cristianismo como Código da Vinci e o Evangelho de Judas. Precisamos dar razão da nossa esperança (1Pe 3.15).
J. A. Motyer diz que Paulo via a si mesmo como um homem sob ordens. Ele escreve: “… sabendo que estou incumbido da defesa do evangelho” (1.16). O termo usado aqui é militar. Quando os soldados da guarda pretoriana vinham cumprir seu turno, prendendo-se a ele por meio de algemas, Paulo aproveitava aquela oportunidade para prender aqueles soldados à verdade do evangelho. Ele não questionava seu sofrimento como se Deus houvesse esquecido dele ou como se seu sofrimento fosse obra de Satanás. Ele via cada circunstância como uma oportunidade para pregar ou defender o evangelho.
5. Paulo aproveitou a prisão para escrever cartas que se tornaram imortais
Certamente a coisa que mais contribuiu para o progresso do evangelho foram estas cartas que Paulo escreveu da prisão (Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon). Estas cartas ainda são luzeiros a brilhar. Elas têm sido instrumento para levar milhões de pessoas a Cristo e edificar o povo de Deus ao longo dos séculos.
Rev. Hernandes Dias Lopes
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