O maracujá é uma planta tipicamente brasileira, muito apreciada pelo sabor de seus frutos e pelo perfume de suas flores. Estas flores, conhecidas como "Flores da Paixão", foram antigamente muito apreciadas e celebradas como "as graças dos prados, brincos da natureza e devoção da piedade cristã".
Dizem que em princípio do século XVII, chegou a primeira planta da América a Roma que foi oferecida a Paulo V. Parece que também foi aqui que a piedosa fantasia se apoderou desta bela flor e descobriu lhe as relações religiosas, com tanto entusiasmo expostas por Vasconcelos.
Atribuem ao padre Ferrari a paternidade do nome, "flor da paixão ou passiflora", o qual a classificou na sua obra "De florum cultura", publicada em 1833. Esta elegante trepadeira no Brasil é conhecida pelo nome indígena "maracujá".
É crença geral que o maracujá foi criado por Deus para perpetuar a lembrança do sacrifício do calvário. Esta flor de extraordinária beleza tem a singularidade de apresentar num simbolismo caprichoso da natureza, os principais instrumentos da Paixão de Cristo: coroa, açoites, cravos, chagas, etc. Sua aludida descrição de bela flor americana é célebre!
Lozano adaptou-a quase palavra por palavra na sua história da conquista e outros historiadores a reproduziram. É esta: "A flor é o mistério único das flores. Tem o tamanho de uma grande rosa e, neste belo campo, formou a natureza como um teatro dos mistérios da redenção do mundo. Lançou por fundamento cinco folhas mais grossas, ao exterior verdes, no interior rosadas; sobre estas, postas em cruz, outras cinco púrpuras, todas a uma e outra parte. E logo deste como tono sanguíneo, vai armando um quase pavilhão feito de uns semelhantes a fios de roxo, com mistura de branco.
Outros lhe chamavam coroa, outros molhos de açoites aberto, e tudo vem a ser. No meio deste pavilhão, ou coroa, ou molho, se vê levantada uma coluna branca, como de mármore, redonda, quase feita ao torno e rematada por uma preciosa maçã ou bola, que tira o ovalado. Do remate desta coluna nascem cinco quase expressas chagas, distintas todas e penduradas cada qual do seu fio, tão perfeitas que parece as não poderia pintar noutra forma o mais destro pintor: se não que, em lugar de sangue, tem por cima um como pó subtil, ao qual se aplicais o dedo, fica nele pintada a mesma chaga, formada de pó, como com tinta se poderia formar.
Sobre a bola ovada do remate, se veem três cravos perfeitíssimos, as pontas na bola, os corpos e cabeças no ar; mais cuidareis que foram ali pregados de indústria, se a experiência vos não mostrara o contrário. A esta flor por isso chamam da paixão, porque mostra aos homens os principais instrumentos dela, que são: coroa, coluna, açoite, cravos, chagas. É flor que vive com sol e morre com ele; o mesmo é sepultar-se o sol, que fazê-lo sepulcro daquele pavilhão ou coroa, já então cor de luto e sepultar nele os instrumentos da Paixão sobreditos, que, nascido o sol, torna a ostentar ao mundo."
Complementamos a esta, outra descrição com belos versos do poema épico do Caramuru:
"Nem tu me esquecerás, flor admirada
Em quem não sei se a graça, se a natura
Fez da Paixão do Redentor Sagrada
Uma formosa e natural pintura
Pende com pomos mil sobre a latada
Áureos na cor, redondos na figura
O âmago fresco, doce rubicundo
Que o sangue indica que salvaria o mundo
Com densa cópia se derrama,
Que muito a vulgar hera é parecida,
Entre sachando pela verde rama
Mil quadros da Paixão do Autor da vida;
Milagre natural que a mente chama
Com impulsos da graça, que a convida,
A pintar sobre a flor aos nossos olhos
A cruz de Cristo, as chagas e os abrolhos.
É na forma redonda, qual diadema,
De pontas, com espinhos, rodeada,
A coluna no meio, e um claro emblema
Das chagas santas e da cruz sagrada;
Vêm-se os três cravos e na parte extrema
Com arte a cruel lança figurada;
A cor é branca, mas de um roxo exangue
Salpicada, recorda o pio sangue.
Prodígio raro, estranha maravilha,
Com que tanto mistério se retrata!
Onde em meio das trevas a fé brilha
Que tanto desconhece a gente ingrata!
Assim, do lado seu nascendo filha
A humana espécie, Deus piedoso trata,
E faz que, quando a graça em si despreza,
Lhe pregue com esta flor a natureza" (Southey, History of Brazil, cap. 34).
Segundo folclore popular nordestino, quando Jesus estava na cruz, seu sangue escorreu pela madeira e molhou o solo. No pé da cruz havia uma planta que nunca deu flor e não tinha nenhuma virtude. Quando o sangue molhou a planta, ela soltou um botão, o botão virou flor e a flor trazia todos os sinais da crucificação. - "E havia junto da cruis, Um pé de maracujá, Carregadinho de frô, Aos pé de nosso sinhô. I o sangue de Jesus Cristo, Sangui pisado de dô, Nus pé du maracujá, Tingia todas as frô."
Não é provável que os feiticeiros ou pajés, conhecessem estas relações que os cristãos puseram no maracujá. O que se sabe, porém, é que certos pajés de algumas tribos, ao serem iniciados nas superstições, abstinham-se dos frutos do maracujá.
Maracujá, na língua tupi, quer dizer "alimento dentro da cuia". É mesmo na cuia, isto é, na própria casca, que o maracujá recebe total apreciação de norte a sul do país. Tanto que o Brasil conhece o recorde de mais de 150 variedades da fruta. Das quais são deliciosamente comestíveis o maracujá-amarelo, o maracujá-roxo e o avermelhado, bastante comuns nas regiões Sudeste e Sul.
Devido as suas propriedades terapêuticas, o maracujá possui grande valor medicinal: as folhas e o suco contêm passiflorina, um sedativo natural e o chá preparado com as folhas tem efeito diurético. Seu uso principal, no entanto, está na alimentação humana, na forma de sucos, doces, geleias, sorvetes e licores. É rico em vitamina C, cálcio e fósforo.
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